Robert J. Kloosterhuis
Vice-Presidente da Associação Geral
dos Adventistas do Sétimo Dia.

Quando se trata da devolução do dízimo, a “casa do tesouro” [Mal. 3:10] é a Associação local ou a igreja local? Alguns crêem que a casa do tesouro é a igreja local, enquanto a igreja mundial considera a associação/missão como depositária dos dízimos e ofertas.

Qual das duas proposições é a bíblica? Infelizmente a Bíblia não oferece uma resposta clara. Ao se rever a aplicação do princípio da casa do tesouro no tempo do antigo Israel, podemos avaliar melhor qual é o tipo de prática que o Israel moderno deve seguir.

A casa do tesouro no Antigo Testamento

A mais antiga referência sobre o assunto diz respeito à devolução do dízimo de Abraão ao sumo sacerdote Melquisedeque (Gên. 14:20). Neste caso, Abraão considerou que Melquisedeque era a casa do tesouro.

Antes da travessia do Rio Jordão, os israelitas foram instruídos pelo Senhor a devolver todos os dízimos a Ele (Lev. 27:30,32) e Ele daria aos filhos de Levi “todos os dízimos em Israel por herança, pelo serviço que prestam, serviço da tenda da congregação (Núm. 18:21). Os próprios levitas também foram instruídos a dizimar (v. 28).

Após a conquista de Canaã, dado o fato de que os levitas não receberam “herança quando a terra foi dividida entre as tribos, nem possuíam “renda própria” (Núm. 18:20), passaram a morar em áreas dispersas, geralmente em 48 cidades especialmente designadas para eles (Núm. 35:6). Logo após a travessia do Jordão, os israelitas armaram o tabernáculo em Gilgal, e mais tarde em Siquém, Siló, Nobe e Gibeom. Todos os homens israelitas eram convocados a se reunir em um desses lugares para adorar pelo menos três vezes em festas anuais (Êxo. 23: 17) e eram instruídos a trazer ofertas consigo pois ninguém deveria se apresentar de mãos vazias perante o Senhor (v. 15). Os sacrifícios poderiam ser oferecidos somente nos locais designados por Deus (Deut. 12:11).

Os que consideram a igreja local como casa do tesouro podem argumentar citando Deuteronômio 14:22-29. Tal posição é vista pelos eruditos judeus como o “segundo dízimo”1. Ellen White  concorda com tal interpretação considerando que assim como havia muitos sábados cerimoniais mas apenas um único Sábado santificado semanalmente, assim também havia outros dízimos junto com o dízimo sagrado usado apenas para o sustento dos levitas. 2

Período da Monarquia

Nos primeiros anos do seu reinado, Davi trouxe a arca sagrada para Jerusalém (II Sam. 6) e, posteriormente, seu filho Salomão construiu um belo templo que se tornou um local permanente para a recepção de dízimos e ofertas (I Reis 6). Com o passar do tempo, a prática de devolver dízimos e ofertas às 48 cidades designadas aos levitas foi interrompida. Parece que todos os israelitas passaram a devolver os dízimos e as ofertas diretamente à tesouraria do templo.

Observe a prática em voga durante o reinado de Ezequias: “Além disso ordenou ao povo, moradores de Jerusalém, que contribuísse com sua parte devida aos sacerdotes e levitas para que pudessem dedicar-se à lei do Senhor. Logo que se divulgou essa ordem, os filhos de Israel trouxeram em abundância as primícias do cereal, do vinho, do azeite, do mel, e de todo produto do campo; também os dízimos de tudo trouxeram em abundância. Os filhos de Israel e Judá que habitavam nas cidades de Judá, também trouxeram dízimos das vacas e das ovelhas, e dízimos das cousas que foram consagradas ao Senhor seu Deus; e fizeram montões e montões. No terceiro mês começaram a fazer os primeiros montões; e no sétimo mês acabaram. Vindo pois Ezequias e os príncipes, e vendo aqueles montões, bendisseram ao Senhor e ao seu povo Israel. Perguntou Ezequias aos sacerdotes e aos levitas acerta daqueles montões. Então o sumo sacerdote Azarias, da casa de Zadoque, lhe respondeu: desde que se começou a trazer à casa do Senhor estas ofertas, temos comido e nos temos fartado delas, e ainda há sobra em abundância; porque o Senhor abençoou ao seu povo, e esta grande quantidade é o que sobra. Então ordenou Ezequias que se preparassem depósitos na casa do Senhor. Uma vez preparados, recolheram neles fielmente as ofertas, os dízimos e as cousas consagradas” (II Crô. 31:4-12).

Esta passagem sugere que depois da divisão das 12 tribos, as 48 cidades especialmente designadas para servir de habitação aos levitas não mais funcionavam como cidades durante o período dos juízes. Naquele momento, sob condições diferentes, era mais oportuno devolver os dízimos e ofertas diretamente ao Templo em Jerusalém.

Cativeiro Pós-Babilônico

Após o cativeiro babilônico, sob a liderança reformatória de Neemias, o sistema de remessa e devolução dos dízimos foi restaurado conforme a prática no passado. “O sacerdote, filho de Arão, estaria com os levitas quando estes recebessem os dízimos e os levitas trariam os dízimos dos dízimos à casa do nosso Deus, às câmaras da casa do tesouro. Porque àquelas câmaras os filhos de Israel e os filhos de Levi devem trazer ofertas do cereal, do vinho e do azeite” (Ne. 10:38,39). 3

“Ainda no mesmo dia se nomearam homens para as câmaras dos tesouros, das ofertas, das primícias e dos dízimos para ajuntarem nelas, das cidades, as porções designadas pela lei para os sacerdotes e para os levitas; pois Judá estava alegre, porque os sacerdotes e os levitas ministravam ali.” (Ne. 12:44).

Mais tarde, entre as duas gestões de Neemias como governador, as pessoas caíram em apostasia e pararam de devolver o dízimo; por isso, Neemias protestou contra os líderes e o povo por negligenciarem a casa de Deus (Ne. 13:11). Eles se arrependeram e reinstauraram o sistema do dízimo (verso 12). Foi durante esse tempo que Deus, através do profeta Malaquias, convocou Seu povo para uma reforma tanto no estilo de vida individual como corporativo. “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas”(Mal. 3:8).

Naquele momento, sob condições diferentes, era mais oportuno devolver os dízimos e ofertas diretamente ao Templo em Jerusalém.

Então, segue-se a ordem de Deus e a promessa: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós bênção sem medida.” (v.10). Observe as palavras “casa do tesouro” e “minha casa”, ambas referem-se ao mesmo lugar. Onde era então a casa do tesouro? Obviamente no templo de Jerusalém.

A estocada das palavras de Malaquias e a compreensão do povo a respeito delas era clara. Ambas compreendiam a palavra “casa do tesouro” como uma referência ao santuário, o Templo em Jerusalém. Pode haver alguma validade no argumento de que a remessa local dos dízimos aos levitas ocorria em pequenas vilas e cidades em determinadas épocas no passado; contudo, no tempo de Neemias e Malaquias, compreendia-se inequivocamente que o texto de Malaquias referia-se ao Templo em Jerusalém como a casa do tesouro.

A Prática do Novo Testamento

Apenas 11 passagens no Novo Testamento referem-se ao dízimo e nenhuma delas contém alguma informação sobre a casa do tesouro. Assim, não temos dados suficientes para afirmar como os crentes desse período praticavam o princípio da “casa do tesouro”.

O Novo Testamento nos afirma, de fato, que Paulo coletava fundos de algumas congregações para auxiliar os crentes pobres em Jerusalém que passavam fome (II Cor. 8:19). Afora alguns poucos exemplos sobre ofertas, não há informações sobre a coleta do dízimo e desse modo, o que nos resta é confiar no Antigo Testamento para compreender o significado de “casa do tesouro” e sua utilização.

Uso Denominacional

Dois anos antes da organização da Associação Geral, um pequeno grupo de líderes e crentes reuniram-se em Battle Creek, de 26 a 29 de abril de 1861, para estruturar e organizar a editora. Antes desse encontro, muitos membros sentiam que era tempo de considerar também a organização oficial da denominação. (Havia muitos que se opunham à organização formal da igreja) Portanto, durante a reunião, votou-se que nove pastores presentes escrevessem um artigo para a Review and Herald sobre aquele tema. O resultado foi um documento cuidadosamente preparado, intitulado “Organização”, assinado por J.H. Waggoner, José Bates, Tiago White, J. B. Frisbie, J.N. Loughborough, M.E. Cornell, E.W. Shortridge, Moses Hull e John Byington. Desde então, os princípios básicos que têm guiado a denominação encontram-se nesse documento. Os autores propuseram (1) uma organização mais completa das igrejas locais; (2) organização adequada de associações por Estado ou regiões”, que asseguraria as credenciais do ministério; e (3) e a união de “associações gerais” “plenamente credenciadas” como representantes da vontade das igrejas. O artigo foi publicado na Review and Herald, na edição de 11 de junho de 1861.

A igreja local deveria nomear anciãos e diáconos. Em nível estadual, seria atribuição da Associação autorizar a licença de ministros para a pregação, pagar-lhes o salário, manter em seu poder os documentos das propriedades da igreja e receber o dízimo. A associação geral devia ser uma assembléia de delegados de todas as associação estaduais e refletir a vontade e o pensamento de todas as igrejas locais.

Em outubro de 1861 a primeira Associação da futura Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada – a Associação de Michigan. Uma dos primeiros itens foi fixar e prover um salário para os pastores daquela associação. Credenciais que deveriam ser renovadas anualmente também foram expedidas e os recursos financeiros vieram dos membros das igrejas que compunham a nova associação. Tal resolução, na essência, teve o efeito prático de fazer da associação a casa do tesouro.

Dois anos mais tarde, em 1863, A Associação Geral foi organizada formalmente e na mesma reunião um modelo de constituição para as associações estaduais foi preparado e recomendado aos delegados presentes. O Artigo III da constituição dizia que os recursos deveriam ser obtidos através de um plano de Benevolência Sistemática e outras doações e relatados regularmente ao tesoureiro da associação. Esse artigo nos informa que nossos pioneiros pretendiam que os membros das igrejas constituintes da associação local deveriam ser a fonte de recursos; portanto, o dízimo e as ofertas formariam a base financeira da associação e seriam utilizados para apoiar a obra ministerial/evangélica.

A obra da Associação Geral foi primeiro financiada por remessas irregulares de verbas das associações. Em 1878 porém, a comissão administrativa da Associação Geral recomendou que as associações pagassem um dízimo de sua renda a ela. Mais tarde, quando as associações-uniões foram organizadas em 1901, as associações pagavam um dízimo de sua renda às uniões que, por sua vez, pagavam um dízimo à Associação Geral. 4

Deve-se observar que as igrejas locais não empregavam nem pagavam os ministros; tampouco autorizava suas licenças ou credenciais. As associações assumiam tais responsabilidades. Hoje, as igrejas locais não são entidades legais, mas as associações sim. As igrejas unem-se para formar uma associação/missão que serve às suas necessidades como uma corporação legalmente reconhecida para empregar e supervisionar o ministério, pagar os salários dos obreiros e coletar dízimos e ofertas das igrejas para apoiar empreendimentos evangelísticos. As igrejas locais, não tendo status legal, delegam à associação local a responsabilidade de empregar pastores individualmente. No presente, igrejas locais recém- organizadas são aceitas na “irmandade de igrejas” na associação local com base nas mesmas condições. Isso é feito regularmente nas chamadas reuniões distritais.

Como Ellen White compreendia o assunto

Como Ellen White entendia a expressão “ casa do tesouro”? Muito pouco pode ser encontrado em seus escritos sobre o princípio da “casa do tesouro simplesmente porque isso não era um problema para ela. No entanto, note o que escreveu: “Se nossas igrejas assumirem sua posição ao lado da palavra do Senhor e forem fiéis na devolução do dízimo ao Seu tesouro, mais trabalhadores serão incentivados a assumir a obra ministerial.”5 O contexto sugere claramente que por “tesouro” ela entende a associação local.

Menção deve ser feita ao tempo em que o Dr. Kellogg devolvia à associação local o dízimo dos obreiros do sanatório e estava considerando interromper essa prática. A Sra. White ficou tremendamente aborrecida por isso. “Para ele, separar o dízimo do tesouro”, ela  escreveu, “seria uma necessidade que me muito me apavora.”6

Vantagens de ter a associação como casa do tesouro

Sugerir que a igreja local se torne a casa do tesouro é possível, mas a que preço? Como sabemos, isso romperia seriamente a estrutura organizacional e o governo da denominação. Destruiria, na pior das hipóteses, um dos sistemas financeiros mais notáveis da igreja praticado por mais de um século e meio. O programa missionário mundial, como o conhecemos, pararia de funcionar.

Somos gratos porque o Senhor guiou os líderes adventistas pioneiros no estabelecimento de um sistema financeiro para a igreja. Ao adotar o conceito de associação local como casa do tesouro, um pequeno grupo de crentes estabeleceu o alicerce necessário para apoiar o desenvolvimento miraculoso de nossa igreja em um dos movimentos missionários mundiais mais notáveis na atualidade. Baseia-se no princípio bíblico de devolver um dízimo fiel e designar a associação local como a casa do tesouro. Ellen White jamais discordou desse procedimento, uma prática que a seguiu paralelamente cerca de 50 anos do seu ministério. A Sra. White defendia o princípio de designar a associação local como a casa do tesouro. Se isso estivesse moralmente errado, certamente ela teria muito a dizer para consertar o erro, mas este não é o caso.

Conclusão

Nossa discussão, leva-nos às seguintes conclusões:

  1. A Bíblia ensina que o dízimo deve ser devolvido à casa do tesouro.
  2. A prática de remessa do dízimo sempre envolvia ou a casa do tesouro do tabernáculo ou a casa do tesouro do Templo em Jerusalém.
  3. No Antigo Testamento a localização da casa do tesouro nem sempre era permanente, porque o tabernáculo movia-se de um lugar para o outro até se estabelecer permanentemente em Jerusalém.
  4. No lugar da casa do tesouro do Templo em Jerusalém, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em assembléia geral, decidiu a localização da casa do tesouro.
  5. Decisões tomadas por nossos pioneiros designam a associação local como a casa do tesouro de acordo com a vontade de Deus. Nenhuma mensagem inspirada veio de Ellen White para contrariar tal decisão. O que de fato ela escreveu foi para que os membros obedecessem à voz da igreja porque Cristo delegou à Sua igreja o direito de decisão.7
  6. Não há proibição na Escritura para designar a associação ou a igreja local como a casa do tesouro, e a partir da organização formal da Igreja Adventista, a associação local foi designada como a casa do tesouro.

Referências

1 Veja “Tithe in Rabbinical Literature,” Jewish Encyclopedia.

2 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 530. Deuteronômio 14:28 indica que havia um “terceiro dízimo”.

3 Esses versos dão a impressão de que o único dízimo trazido a Jerusalém era o dízimo levítico e que o restante era depositado em vilas locais. Entretanto, Neemias 12:44 não parece tão claro como gostaríamos pois o significado não é exato. “as porções designadas para os sacerdotes e para os levitas” foram trazidas ao Templo. Essas porções incluíam o dízimo, conforme o verso 47 sugere: “Todo o Israel, nos dia de Zorobabel, e nos dias de Neemias, dava aos cantores e aos porteiros as porções de cada dia; e consagrava as cousas destinadas aos levitas, e os levitas as destinadas aos filhos de Arão.” Todos esses dízimos eram armazenados no templo. Talvez Neemias 10:38 esteja simplesmente dizendo que os levitas trouxeram seu próprio dízimo dos dízimos ao templo, e as pessoas traziam o seu aos depósitos locais nas vilas. A outra passagem indica que todos os dízimos eram levados para serem armazenados em Jerusalém.

4 A informação dos seis parágrafos precedentes foi extraída de “Organization, Development of, in the Seventh-day Adventist Church” e “Tithe”, Seventh-day Adventist Encyclopedia (Hagerstown, Md.: Review and Herald Pub. Assn., 1996), vol. 11, pp. 258-270, 778-780.

5 Ellen G. White, Testimonies for the Church (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1948), vol. 9, p. 249.

6 Ellen G. White, Manuscript Releases, vol. 7, p. 366.

7 Veja “The Unity of the Church,” Bible Echo, setembro de 1888.