Introdução

Talvez não haja assunto mais mal compreendido nas crenças dos adventistas do sétimo dia do que a questão da relação adequada entre os escritos de Ellen G. White e os da Bíblia. Uma comparação dos escritos de autores cristãos como Walter R. Martin1, Norman F. Doughty2 e outros que escreveram criticamente sobre as crenças doutrinárias dos adventistas, com algumas das declarações frequentemente citadas dos próprios escritores adventistas, que parecem apresentar posições diferentes, se não conflitantes, faz-nos pensar se talvez nós próprios, da igreja, é que somos os responsáveis por causar parte da confusão lá fora! Por exemplo, tomemos a definição de duas palavras que usamos com frequência nesta apresentação de três partes: inspiração e revelação. O ex-pastor adventista Walter Rea, seguindo Webster, vê a inspiração como sendo “a influência divina direta ou imediatamente exercida sobre a mente ou alma dos homens”. Rea rotula isto como “subjetivo”. A revelação é vista como “a comunicação que Deus faz de Si mesmo e de Sua vontade a Suas criaturas”; isto Rea rotula3 como “objetivo”.

Depois de definir objetivo e subjetivo, Rea alega que esta revelação objetiva possui autoridade, enquanto que a inspiração subjetiva não possui. A revelação objetiva, aos olhos de Rea, está relacionada a fatos e planos de ação, enquanto que a revelação subjetiva é vista como estando associada a valores e opiniões pessoais.

Rea então tira a conclusão de que os pronunciamentos de Ellen White transmitem, em sua maioria, inspiração subjetiva. Isto é, consistem principalmente de valores ou opiniões pessoais (ou dela, ou das pessoas que a influenciaram, ou de autores de quem ela copiou). Como tais, seus escritos não possuem virtualmente qualquer autoridade de Deus, a menos que possam ser provados por outras fontes, preferivelmente a Bíblia.4

John J. Robertson, em seu livro The White Truth (“A Verdade White”)5 , discorda desta dicotomia subjetivo/objetivo. Para ele, “a revelação representa a atividade de Deus como quem envia uma mensagem a Seu profeta escolhido. A inspiração representa a atividade de Deus sobre o profeta ou dentro dele, que então se torna o transmissor dessa revelação ao Seu povo.”6

Eu também discordo da dicotomia subjetivo/objetivo projetada por Walter Rea, mas preferiria definir os termos – como foi feito na parte 1 desta série – de maneira um pouco diferente de Robertson. Tomando emprestada em parte a definição de Raoul Dederen, sugerimos que a inspiração pode ser considerada um processo pelo qual Deus capacita o profeta a receber e comunicar Sua mensagem, enquanto que revelação é vista como o conteúdo da mensagem assim comunicada.7

Um estranho ao adventismo, lendo estes três conjuntos de definições, talvez possa ser desculpado por se perguntar se a igreja realmente tem uma teologia coerente! O mesmo tem acontecido com nossos pronunciamentos sobre a relação dos escritos de Ellen White para com a Bíblia. Dentro da igreja também tem havido alguma confusão sobre os escritos da Srª White, bem como um pouco de abuso e mau uso deles. Alguns membros de fato têm feito deles uma segunda Bíblia, parecendo com frequência considerar a Srª White o mais importante dos dois. Alguns ministros e professores têm citado a Srª White dez vezes ou mais para cada passagem da Bíblia; alguns têm até pregado sermões do tipo “trem de carga” (a locomotiva é a introdução do sermão, seguida por uma fileira de vagões de carga – citações da Srª White; e por fim vem o último vagão, a conclusão do sermão). A frustração e irritação experimentada por um motorista que fica esperando passar um longo e lento trem de carga é quase idêntica aos sentimentos de exasperação e ira por parte daquele que é forçado a ouvir este tipo de mostruosidade homilética. Os escritos da Srª White também têm sido mal usados por pais, professores e pregadores, que têm usado declarações deles como uma palmatória teológica com a qual se corrige o ofensor para fazê-lo submeter-se. Contudo, este mau uso, quer por proponentes do conceito de que os escritos de Ellen White são uma segunda Bíblia (ou mesmo um adendo à Bíblia), ou por outras aplicações errôneas, não é a posição da igreja adventista do sétimo dia, mesmo que estas posições sejam adotadas por alguns de seus membros bem-intencionados, mas mal informados. E, como diria John Quincy Adams, “Argumentos extraídos do abuso de alguma coisa não são admissíveis contra o seu uso.” 8 Em outras palavras, “Não jogue fora o bebê junto com a água do banho!” Qual, então, é realmente a posição da denominação com respeito à relação adequada entre os escritos da Srª White e a Bíblia Sagrada? Segundo entendo, afirmamos que Ellen G. White foi inspirada da mesma forma e no mesmo grau que os profetas bíblicos; mas – e isto será paradoxal para alguns – não fazemos dos escritos dela uma segunda Bíblia, ou mesmo uma adição ao cânon sagrado da Palavra de Deus. Deixe-me explicar.

 

A Palavra de Deus através dos profetas

Os adventistas do sétimo dia geralmente crêem que o cânon sagrado da Escritura foi encerrado com a inclusão do Apocalipse de João. E o cânon, portanto, é tanto completo quanto suficiente em si mesmo. Em outras palavras, é possível para uma pessoa encontrar Jesus Cristo, obter salvação e vida eterna, sem jamais ter ouvido Ellen G. White ou lido uma só palavra de seus escritos.

Os adventistas, além disso, desde seus primeiros dias, têm mantido tradicionalmente a posição de que as Escrituras são a fonte de nossas crenças doutrinárias, a autoridade dessas crenças, e o teste de todas as crenças (e também de toda experiência religiosa). Contudo, tendo dito tudo isso, é também claramente evidente pela Bíblia que Deus também usou vários mensageiros proféticos, muitos deles contemporâneos dos escritores bíblicos, mas cujos pronunciamentos não formam parte do cânon em si. Alguns deles fizeram seu trabalho durante os tempos do Velho Testamento, alguns durante os tempos do Novo Testamento. Parece evidente que o ministério profético deles envolvia o mesmo tipo de trabalho que o dos escritores bíblicos. E esta lista de profetas não-canônicos incluiu tanto mulheres quanto homens – cinco destes mencionados em cada um dos testamentos. 9

O primeiro profeta mencionado na Bíblia foi Enoque, “o sétimo depois de Adão” (Judas 14); assim o “dom espiritual” da profecia esteve entre os primeiros dos assim chamados “dons do Espírito Santo” a serem concedidos à família humana. Durante os primeiros 2500 anos da história humana todos os pronunciamentos proféticos foram orais. Moisés marca o ponto de transição: ele foi o primeiro profeta literário. Deste momento em diante ambas as variedades de profetas floresceram.

 

Profetas literários mas não-canônicos

Nem todos os profetas literários, porém, se encontraram como autores de obras que mais tarde seriam adicionadas ao cânon do Velho ou do Novo Testamento. Pelo menos oito profetas literários mas não-canônicos são mencionados por nome no Velho Testamento. Jasar foi o primeiro, quinze séculos antes de Cristo, talvez só uns 40 anos após o tempo de Moisés. Embora o Livro de Jasar seja mencionado tanto em Josué 10:13 quanto em II Samuel 1:18 (ARA – Livro dos Justos), este livro não foi incluído no Velho Testamento. Quatro séculos e meio mais tarde, “Natã o profeta” e “Gade o vidente” escreveram livros10 durante o reinado do rei Davi; mas conquato os salmos deste foram incorporados ao Velho Testamento, os livros dos primeiros não o foram. Cerca de duas décadas mais tarde Aías, o silonita, foi o autor de escritos profeticamente inspirados, 11 e outros 20 anos mais tarde vieram o profeta Semaías 12 e o vidente Ido 13 como profetas literários mas não-canônicos. Então, cerca de 20 anos depois disto, Jeú escreveu um livro profético inspirado 14 e o último dos profetas literários mas não-canônicos (pelo menos dos mencionados na Bíblia) foi Elias 15 no início do século nono antes de Cristo. Vem imediatamente à mente a pergunta: se estes homens foram verdadeiramente inspirados, por que seus escritos não foram incluídos no Velho Testamento? Alguns já sugeriram uma pronta solução: os escritos deles, embora inspirados, não eram tão inspirados quanto os dos autores bíblicos. Esta idéia de graus de inspiração tem uma longa história no adventismo; uma variação deste tema veio à tona em nosso próprio tempo. 16

Uma hipótese de validade igual (se não superior) é que as mensagens destes escritores proféticos literários mas não-canônicos eram de natureza local: foram escritas para atender a uma situação imediata de sua própria época. O Espírito Santo em Sua sabedoria infinitamente superior achou que era necessário preservar essas mensagens para períodos posteriores da história.

 

Graus de inspiração?

Oferecemos agora três argumentos contra o conceito de graus de inspiração (ou graus de revelação): a. A partir de observação empírica: o registro bíblico não faz diferença entre profetas canônicos e não-canônicos quanto à fonte de suas mensagens, nem na “cadeia de comando” empregada na comunicação das mensagens desde a Divindade até o profeta. Não há diferença no método de comunicação; nenhuma diferença com respeito aos fenômenos físicos associados com um profeta em visão; nenhuma diferença no tipo de mensagens comunicadas – encorajamento, conselho, admoestação, reprovação, censura; nenhuma diferença nos tipos de “imperfeições” dos “vasos de barro”; nenhuma diferença na resposta que as mensagens provocaram – alguns ouvintes as atenderam e foram abençoados, outros as desconsideraram e sofreram as conseqüências. Admitimos ser este o argumento do silêncio; mas é irrazoável afirmar que o ônus da prova cabe à pessoa que quer estabelecer diferentes graus de inspiração? b. A partir da lógica: levantar a questão de graus de inspiração (ou revelação) imediatamente cria a necessidade de determinar exatamente quem fará a classificação. Tal árbitro precisa necessariamente ser elevado não simplesmente ao nível do profeta, mas a um nível acima do profeta, já que ele é quem faz o julgamento, decretando que uma parte dos escritos do profeta é mais inspirada que outra.

Este problema é ainda mais complicado porque nenhum homem pode se elevar mesmo ao nível de um profeta – muito menos a uma posição acima da do profeta. Paulo afirma claramente que o Espírito Santo divide os dons espirituais a cada um “segundo a sua vontade” (I Coríntios 12:11; Hebreus 2:4). “Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo”; o máximo que qualquer ser humano, por si, pode fazer, é “[procurar], com zelo, os melhores dons” (I Coríntios 12:31). Certamente nenhum mero ser humano deve presunçosamente se colocar acima dos profetas para determinar uma questão como esta! c. A partir da fé: Aceito Ellen White como uma profetisa inspirada do Senhor, e ela certa vez declarou que não existem graus de inspiração. E isso, se não houvesse nenhum outro argumento, seria suficiente para resolver o assunto para mim. Ninguém menos que o presidente da Associação Geral, George I. Butler, certa vez discorreu sobre o assunto da inspiração e revelação. Em seus dez artigos, que foram publicados de 8 de janeiro a 3 de junho de 1884 na Review and Herald, Butler expôs a ideia de que havia “diferenças em graus” de inspiração. 17

Ellen White permaneceu em silêncio por cinco anos. Será que ela estava caridosamente esperando que ele descobrisse seu próprio erro e o corrigisse, poupando assim a si mesmo (e a ela) o embaraço de uma censura pública?

Não sabemos; contudo, em 1889 ela escreveu uma resposta bastante incisiva:“Tanto no Tabernáculo [de Battle Creek] como no colégio tem sido ensinado o assunto da inspiração, e homens finitos se têm arrogado dizer que certas coisas nas Escrituras foram inspiradas e outras não. Foi-me mostrado que o Senhor não inspirou os artigos acerca da inspiração publicados na Review. Quando os homens se atrevem a criticar a Palavra de Deus, atrevem-se a pisar em terreno santo, sagrado, e melhor lhes seria esconder sua sabedoria como loucura. Deus não designou homem algum para proferir juízos sobre Sua Palavra, escolhendo umas coisas como inspiradas e desacreditando outras como não inspiradas. Os testemunhos têm sido tratados da mesma maneira; mas Deus não está nisto.” 18

 

Graus de autoridade – uma posição insustentável

Alguns que favorecem a ideia de graus de inspiração (ou revelação) têm promovido recentemente a ideia de que profetas também têm graus de autoridade. Esta última posição é tão insustentável quanto a primeira, em grande parte pelas mesmas razões. Empiricamente não há qualquer evidência bíblica de que um grupo de profetas tivesse mais – ou menos – autoridade do que outro grupo. Contudo, se houvesse, realmente, graus de autoridade, como seriam determinados? E por quem? A experiência do rei Davi com dois profetas literários, mas não-canônicos que ministraram durante seu reinado pareceriam fornecer evidências contra os graus de inspiração ou autoridade.

Natã. Na parte 2 discutimos o problema do entusiástico endosso de Natã ao plano de Davi de construir um templo, sem primeiro consultar a Deus para ver se o plano tinha Sua divina aprovação. Não tinha, e naquela noite Deus falou a Natã dizendo-lhe que voltasse ao rei e corrigisse a mensagem anterior (II Samuel 7:1-17). Cinco capítulos depois encontramos Natã de volta no palácio, por orientação de Deus, para repreender Davi pelos seus pecados gêmeos de adultério com Bate-Seba e assassinato do marido dela, Urias. Usando o disfarce de uma parábola, Natã corajosamente faz Davi entender a enormidade de seus crimes; e Davi, convencido pelo Espírito Santo através de Seu mensageiro, se confessa e se arrepende. Natã então assegura a Davi que Deus havia aceito seu arrependimento e o havia perdoado (II Samuel 12:1-14). Natã adverte, porém, que consequências inexoráveis resultarão dos atos de Davi. Estas consequências ainda ocorrerão apesar do generoso e misericordioso perdão de Deus (versos 15-23). Mais tarde, partindo de seu genuíno arrependimento e remorso, Davi escreveu o Salmo 51, no qual ele apela a Deus: “Apaga as minhas transgressões … purifica-me do meu pecado. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Restitui-me a alegria da tua salvação … Então, ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (versos 1, 2, 10-13). E Deus lhe concedeu este desejo sincero.

Tanto Natã quanto Davi foram profetas. Algumas centenas de anos mais tarde, quando o cânon do Velho Testamento ia ser formado (talvez sob a supervisão de Esdras), o Livro de Natã não seria incluído, mas os salmos de Davi seriam. Assim, Davi se tornaria um profeta canônico, e Natã um profeta não-canônico. Sabemos deste encontro não porque ele se ache no Livro de Natã, mas porque o autor de II Samuel 12 o incluiu em seu livro. 19 Se por acaso tivesse sido dada a Davi uma visão do futuro, na qual ele fosse informado de seu subsequente status, e do de Natã, e se Davi tivesse adotado a fantasiosa teoria dos graus de inspiração, talvez tivesse logicamente ocorrido o seguinte diálogo:

Após ser censurado por Natã, talvez Davi tivesse levantado a mão, em advertência, e dito: “Espere um minuto, Natã. Você deve mostrar mais respeito e deferência a mim. Sim, você é um profeta; mas será um profeta não-canônico esquecido daqui a alguns séculos. Eu serei um profeta canônico; cristãos daqui a três milênios estarão cantando meus salmos em suas igrejas. Meu Salmo 51 de arrependimento encorajará o coração de milhões de pessoas ao longo dos séculos. Mas daqui a 3000 anos ninguém saberá uma única palavra do que você escreveu no Livro de Natã!” Talvez Davi tivesse até repreendido um pouco a Natã, num esforço de defender-se, acrescentando: “Tenha cuidado, Natã. Lembre-se, você não estava muito certo algum tempo atrás quando me deu sua aprovação profética para que eu construísse o templo. Tem certeza de que está certo agora?” E que dizer dos graus de autoridade? Bem, a história começa de maneira muito simples: “O Senhor enviou Natã a Davi.” Natã tinha autoridade? Autoridade de quem? E quanta autoridade? Essas simples palavras citadas em II Samuel 12:1 respondem a estas perguntas de maneira poderosa. A esta altura é útil a experiência de Gade, o outro profeta literário mas não-canônico que ministrou a Davi.

Em I Crônicas 21 lemos que Satanás tentou Davi a pecar ao fazer o recenseamento de Israel. O general do rei, Joabe, protestou em vão. Israel foi recenseado (versos 1 a 6), e “tudo isto desagradou a Deus, pelo que feriu a Israel” (verso 7).

No verso seguinte, Davi está conversando diretamente com Deus. Ele confessa sua tolice e culpa e pede perdão. Mas no verso 9 Deus não Se dirige a Davi diretamente, como certamente poderia ter feito, pois os profetas têm um canal especial de comunicação com o Todo-Poderoso.

Não. “Falou, pois, o Senhor a Gade, o vidente de Davi.” Uma vez que Davi seria um profeta canônico, por que Deus não Se comunicou diretamente com ele? Por que escolheu, em vez disso, um profeta não-canônico? Note, ainda, o que Deus disse a Gade: “Vai e dize a Davi: Assim diz o Senhor: …” (verso 10). Certamente esta frase indica enfaticamente a autoridade da mensagem de Gade. Será que Gade precisava de qualquer outra autoridade senão um “Assim diz o Senhor”? O que Deus disse a Gade que fizesse? Ele foi instruído a dizer a Davi que Deus agora estava oferecendo ao rei sua escolha de três punições: três anos de fome, três meses de destruição pelos inimigos, ou três dias de peste na terra (verso 12). Deus também ordenou que Gade dissesse a Davi: “Vê, pois, agora, que resposta hei de dar ao que me enviou” (verso 12). Davi tinha o canal profético especial de comunicação; mas não devia usá-lo neste caso; ao contrário, devia se comunicar de volta com Deus por meio de Gade.

Novamente dizemos que não há evidências de que Davi reivindicasse inspiração superior à de Gade. Em vez disso, “subiu, pois, Davi, segundo a palavra de Gade, que falara em nome do Senhor” (verso 19).

É absurdo falar em graus de inspiração. Ou um profeta é inspirado, ou não é. Recentemente estive presente a uma reunião em que havia um grande número de mulheres que estavam esperando dar filhos à luz num futuro próximo. Algumas estavam bem avançadas na gravidez; algumas estavam no princípio. Às vezes falamos de uma mulher no primeiro trimestre de gravidez como estando “ligeiramente grávida”. Mas a expressão não só é inexata, mas incorreta. Nunca se viu uma mulher que estivesse “ligeiramente grávida”. Ou ela está grávida, ou não! Da mesma forma, nunca se viu um profeta que fosse “ligeiramente” inspirado. É igualmente absurdo falar de graus de autoridade. Em 2 de fevereiro de 1980, o respeitado estudioso adventista Don F. Neufeld 20 pregou um sermão na igreja adventista de Takoma Park, Maryland, intitulado “Quando Jesus Fala”. Para esta mensagem, que foi a última que ele pregou, 21 Neufeld escolheu como seu texto Apocalipse 19:10: “Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia”. Em sua mensagem ele discorreu sobre as várias possíveis traduções dessas frases que são familiares aos adventistas: “o testemunho de Jesus” e “o espírito de profecia”. E em sua conclusão ele demonstrou um ponto muito convincente: “Através de Seu testemunho aos profetas do Novo Testamento, Jesus predisse que a atividade profética, como um dos muitos dons espirituais, continuaria na igreja. Em outras palavras, o testemunho de Jesus para Seu povo não devia cessar após os livros que compõem o cânon atual da Bíblia terem sido escritos. A atividade profética continuaria após o encerramento do cânon.

“Isto nos leva a uma importante pergunta. Se em toda atividade profética é Jesus quem está falando, quer nos tempos do Velho Testamento, nos tempos do Novo Testamento, ou em tempos posteriores ao Novo Testamento, podemos com lógica fazer uma distinção e dizer que o que Jesus disse em um período é mais, ou menos, autoritativo do que o que Ele disse em qualquer outro período, pelo menos com referência às gerações envolvidas? “Por exemplo, algo que Jesus disse no século I A.D. poderia ser mais, ou menos, autoritativo do que o que Ele disse no século XIX A.D.? A resposta, eu acho, é óbvia. Não faz sentido querer defender graus de inspiração, como se o que Jesus disse em uma geração seja mais inspirado do que o que Ele disse em outra.” 22 Os adventistas do sétimo dia geralmente afirmam que Ellen G. White é melhor compreendida no papel dos profetas literários mas não-canônicos da Bíblia. Como tal, seus escritos foram inspirados pelo Espírito Santo da mesma forma e no mesmo grau que os escritos que foram incorporados à Bíblia; contudo não fazemos deles uma segunda Bíblia, nem mesmo os consideramos como uma adição ao cânon sagrado da Escritura. Notemos a seguir como Ellen White via seus escritos em relação à Bíblia.

 

A analogia da “luz maior”/“luz menor”

Numa “carta aberta” aos membros da igreja, escrita em 6 de dezembro de 1902 e publicada na Advent Review and Sabbath Herald de 20 de janeiro de 1903, a Srª White estava olhando à frente, ao novo ano, e estava especialmente preocupada com a obra da colportagem, que na época estava enlanguescendo. “Tenho sido instruída de que a obra da colportagem [venda da literatura adventista de porta em porta] deve ser revivida, e que deve ser levada avante com cada vez mais sucesso.” 23 Ela expressa apreciação pelos esforços unidos dos leigos e colportores em promover o livro Parábolas de Jesus (cujos royalties ela dedicara para ajudar a pagar a dívida que o Colégio de Battle Creek tinha), e ela insiste em que se dê maior atenção à circulação de suas outras obras. Salientando a importância deste esforço missionário, ela acrescenta: “A irmã White não é a originadora destes livros. Eles contêm as instruções que o Senhor tem lhe dado durante a obra de sua vida. Eles contêm a preciosa e confortadora luz que Deus graciosamente deu a Sua serva para ser dada ao mundo. De suas páginas esta luz deve brilhar para os corações de homens e mulheres, levando-os ao Salvador. O Senhor declarou que estes livros devem ser espalhados por todo o mundo.” 24 Então, para ampliar esta ideia de que a “luz deve brilhar” de seus escritos, e para demonstrar a relação entre esses livros e os escritos da Bíblia, ela empregou a metáfora frequentemente citada: “O Senhor enviou a Seu povo muitas instruções, regra sobre regra, preceito sobre preceito, um pouco aqui, um pouco ali. Pouca atenção é dada à Bíblia, e o Senhor deu uma luz menor para guiar homens e mulheres à luz maior. 25 Aqui a Srª White faz referência eventual a Gênesis 1:16: “Fez Deus os dois grandes luzeiros: o maior para governar o dia, e o menor para governar a noite”. Por analogia ela está dizendo que a Bíblia é a “luz maior”, e que seus escritos são a “luz menor”. Antes de examinar esta analogia em detalhes para determinar o que a Srª White tencionava ensinar com ela (e, igualmente importante, o que ela não desejava transmitir), examinemos primeiro a questão de como a própria Srª White via esta “luz maior” da Bíblia Sagrada.

Sintetizando uma lista útil fornecida por Denton E. Rebok 26 e algumas observações em três parágrafos da introdução de O Grande Conflito, 27 notamos a posição da Srª White sobre a Bíblia, e depois como ela via seus escritos em relação à Bíblia:

a. A natureza da Bíblia

1. A Bíblia inteira é a inspirada palavra de Deus.

2. A “verdade de Deus encontra-se em Sua Palavra”. Ninguém precisa “procurar em outro lugar a verdade presente”.

b. Propósito da Bíblia

1. A Bíblia estabelece o padrão para o viver cristão.

2. Ela contém “conforto, guia e conselho e o plano da salvação tão claro como um raio de sol”.

3. Adapta-se às necessidades de todos – ricos e pobres, letrados e ignorantes, “todas as idades e todas as classes”.

4. Ela contém todo o conhecimento que é “necessário para a salvação”. Portanto, os homens devem apegar-se à Bíblia, crendo nela e obedecendo a ela; e então “nenhum” deles se perderá.

c. Primazia da Bíblia

1. Deve ser aceita “como autorizada e infalível revelação” da vontade de Deus.

2. Como tal, ela é “a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa”.

d. Papel dos dons espirituais (profecia):

1. A existência da Bíblia “não tornou desnecessária a contínua presença e direção do Espírito Santo”.

2. Ao contrário, Jesus prometeu aos Seus seguidores o dom do Espírito Santo para “aclarar a Palavra a Seus servos” e “para iluminar e aplicar os seus ensinos”.

3. Uma vez que a consistência é um atributo da Divindade, e uma vez que foi o Espírito Santo que originalmente inspirou a Bíblia, é impossível que o ensino do Espírito Santo através dos dons do Espírito fossem contrários ao que a Bíblia diz.

4. O Espírito Santo não foi, não é, e nunca será dado “a fim de sobrepor-Se à Escritura” porque a Palavra de Deus é “a norma pela qual todo ensino e experiência devem ser aferidos”.

5. Os Testemunhos foram dados apenas porque o homem negligenciou a Bíblia, e os Testemunhos o encaminharam de volta a ela.

(a) Eles não são dados como acréscimo à Palavra de Deus

(b) Eles não devem tomar o lugar da Palavra de Deus.

 

Metáforas para interpretar a analogia

Há talvez quatro metáforas que podem ser usadas para ajudar a entender o que a Srª. White tencionava ensinar com sua analogia da “luz maior”/”luz menor” (e ao fazê-lo, impedir-nos de interpretar mal essa analogia):

1. Tempo e relações geográficas. A Bíblia é a mensagem universal de Deus para todos os homens em todos os tempos. Seus 66 livros foram escritos por aproximadamente 40 profetas literários e canônicos, durante um período de aproximadamente 1500 anos, e a Bíblia tem representado a vontade de Deus para toda a humanidade por dois a três milênios. Por outro lado, os profetas literários mas não-canônicos – oito são mencionados no Velho Testamento, e os adventistas hoje em dia colocam Ellen White nesta categoria – escreveram primariamente para seu próprio tempo e seu próprio povo. Assim, nesta distinção mais específica, os profetas canônicos podem ser vistos como a “luz maior”, e os profetas não-canônicos como a “luz menor”.

2. Relação entre o que testa e o que é testado. 28 Toda nação do mundo, do antigo Egito com seu cúbito faraônico às nações modernas com seu metro e quilograma, têm mantido padrões nacionais de medida linear e de massa, nos quais a precisão e exatidão são de suma importância. Sem isso, nenhuma nação poderia funcionar. O comércio, a construção civil e a produção em massa seriam uma impossibilidade. Alguém que visite o museu anexo à biblioteca do Bureau Nacional de Medidas dos Estados Unidos em Gaithersburg, Maryland, verá em exibição o original do Protótipo Nacional do Metro No. 27, que foi a referência nacional para medida linear de 1893 a 1960 (quando o metro foi subsequentemente definido em termos da luz emitida por átomos eletricamente excitados do gás criptônio-86).

Após o Tratado do Metro ter sido assinado em Sèvres, na França, em 1785, o Bureau Internacional de Pesos e Medidas fez 31 protótipos do metro e do quilograma em platina (90%) e irídio (10%), uma substância especialmente notada não apenas por sua excepcional durabilidade mas também por seu baixo coeficiente de expansão e contração. Os países que o assinaram fizeram um sorteio (e os Estados Unidos desta forma ficaram com os metros de número 21 e 17 e com os quilogramas de número 4 e 20), e estes novos padrões foram enviados às capitais das nações participantes. Ali estes eram preservados num abiente em que a umidade e a temperatura eram rigorosamente controladas. (A técnica que trabalha com o quilograma nacional em Gaithersburg, por exemplo, não tem permissão para tocar o peso de metal – a umidade dos dedos poderia afetar seu peso! Ela também precisa usar um avental aluminizado para impedir que o calor de seu corpo afete o padrão.)

Além dos padrões nacionais de referência de comprimento e massa, o Bureau Nacional de Pesos e Medidas tem também “padrões de trabalho” que possuem exatamente a mesma medida e peso, feitos dos mesmos materiais. Se você suspeitar que o seu metro ou a sua régua está com o comprimento incorreto, pode levá-los a Gaitherburg e compará-los com os padrões de trabalho.

A propósito, os padrões de trabalho não têm nenhuma diferença do padrão nacional de referência; a única diferença entre eles é que um foi arbitrariamente escolhido por sorteio para sua elevada posição como o padrão da nação. 29 Agora a aplicação: o padrão nacional poderia ser visto como a “luz maior”; o padrão de trabalho poderia ser visto como a “luz menor”. Ou, numa analogia igualmente válida, o padrão de trabalho poderia ser visto como a “luz maior”; a régua ou metro que você traz para ser testado, seria assim a “luz menor”.O padrão de medida nacional nunca é testado pelo metro que você compra na loja; da mesma forma, as Escrituras nunca devem ser testadas pelos escritos de Ellen G. White. Contudo, se e quando nossos instrumentos de medida comprados na loja são testados e se descobre que eles são totalmente exatos e confiáveis, não hesitamos em usá-los como padrões autoritativos – mas sempre em relação e com referência ao padrão máximo aceito (a “luz maior”).

3. Quarenta velas/uma vela. 30 Coloque quarenta velas idênticas numa das extremidades de uma mesa, e outra vela acessa na outra. (A Bíblia foi escrita por cerca de 40 autores diferentes, e os escritos de Ellen G. White por um só autor, naturalmente.) Uma vez que a luz de quarenta velas é maior que a de uma só, assim as Escrituras podem ser vistas como a “luz maior”, enquanto que os escritos de Ellen White são vistos como a “luz menor”.

É especialmente importante neste contexto, contudo, lembrarmos que o que é emitido, tanto pelas 40 velas como por aquela única vela, é “luz”. E a analogia de Ellen White do sol e da lua como luzes superior e inferior é particularmente adequada porque a luz que é irradiada pelos dois astros do céu é o mesmo tipo de luz. A lua não tem luz própria; ela simplesmente reflete a luz do sol. Luz é luz, quer seja a luz do sol ou a luz do Filho de Deus. E se a luz que há em você se transformar em trevas, “quão grandes trevas serão!” (Mateus 6:23).

Também vale a pena lembrar que as metáforas que chamamos de parábolas são geralmente interpretadas de forma a ensinar uma verdade e somente uma verdade. Se quisermos ir longe demais, elas sucumbem. Por exemplo, conquanto Ellen White até certo ponto seja bem representada pela vela sozinha, permanece o fato de que o volume total de seus escritos excede em muitas vezes o conteúdo total de palavras do Velho e do Novo Testamento combinados (a “luz maior”). A analogia não deve ser levada longe demais!

4. Mapa do país/mapa do estado. Muitas pessoas que viajam pelos Estados Unidos levam consigo um atlas para ajudá-las a andar pelas estradas do país. Muitos atlas têm no começo um mapa de página dupla mostrando os 48 estados, seguido por mapas individuais de cada estado em uma página. O mapa do país seria assim considerado como a “luz maior”, e o mapa dos estados como a “luz menor”.

Vale a pena aqui fazer duas aplicações: não há desacordos entre a representação de Maryland, por exemplo, no mapa do país em página dupla, e o mapa do estado de Maryland em uma só página. Contudo, há substancialmente mais detalhes no mapa estadual de Maryland que é a “luz menor” do que no mapa nacional que é a “luz maior”.

Ao concluir nossa discussão desta analogia de “luz maior”/”luz menor”, provavelmente vale a pena notar que, com base nas próprias declarações de Ellen White, pareceria ser uma distorção imprópria o afirmar (como alguns críticos modernos fazem) que com esta figura de linguagem ela quis dizer que a Bíblia tinha maior inspiração ou autoridade que seus escritos. 31

 

A analogia do telescópio

Além das metáforas da “luz maior”/”luz menor”, outra analogia, também extraída do mundo da natureza, tem sido particularmente útil em definir a relação entre os escritos de Ellen White e os da Bíblia. Ela foi criada pela Srª S. M. I. Henry, uma “evangelista” da União Feminina de Temperança Cristã, em meados do século XIX, que se converteu ao adventismo quando estava como paciente no Sanatório de Battle Creek em 1896. (Ela subsequentemente encontrou cura divina através da oração.) 32

A Srª Henry escreveu, num extenso e fascinante relato autobiográfico, sobre sua compreensão errônea, inicialmente, do papel dos Testemunhos, sua desilusão ao descobrir que muitos adventistas em Battle Creek tinham neles uma crença só de lábios, sua luta pessoal para compreender a função do dom espiritual da profecia nos tempos modernos, e sua subsequente iluminação como resultado de uma sessão especial de oração. Seu estudo a levou inicialmente a ver os escritos de Ellen G. White como uma lente – e, subsequentemente, como um telescópio – através do qual olhamos para a Bíblia. Desenvolvendo a analogia, ela disse que estes escritos também estavam sujeitos “a todas as condições e limitações do telescópio”. “Podem interpor-se nuvens entre ele e o céu cheio de estrelas – nuvens de incredulidade, de contenção; Satanás pode promover tempestades em torno dele; ele pode ser empanado pelo hálito de nosso próprio egoísmo; o pó da superstição se pode aglomerar sobre ele; podemos meter-nos com ele, e desviá-lo do campo [de observação]; ele pode ser focalizado em direção do espaço vazio; pode ser virado ao contrário, de modo que tudo pareça tão diminuído que não podemos reconhecer coisa alguma. Podemos mudar o foco de maneira que tudo fique fora de proporção, e se torne horrível. Pode ser tão encurtado que não apareça ao nosso olhar senão um grande pedaço de vidro opaco. Se a lente é tomada pelo campo [de observação] não podemos receber senão mui estreita concepção do mais magnificente espetáculo a que o céu jamais convidou o nosso olhar; mas em sua própria função de meio de obter mais ampla e clara visão, como um telescópio, o Testemunho tem uma utilidade maravilhosamente bela e santa. “Tudo depende de nossa relação para com ele e o emprego que dele fazemos. Ele é em si mesmo só um óculo através do qual olhamos; mas na mão do Diretor Divino, devidamente montado, assestado para o devido ângulo e ajustado aos olhos do observador, com um campo limpo de nuvens, revelará verdade tal que vivifique o sangue, alegre o coração e abra uma larga porta de expectação. Transformará nebulosas a constelações; longínquos pontos de luz em planetas de primeira grandeza e em sóis resplandecentes de glória. “O fracasso consiste em compreender o que são os Testemunhos e como devem ser usados. Não são os céus, palpitantes de incontáveis esferas de verdade, porém conduzem os olhos e dão-lhes poder para penetrar nas glórias da misteriosa Palavra viva de Deus.” 33

Denton Rebok atesta que “a própria irmã White disse que a Srª S. M. I. Henry apreendera a relação entre os escritos do Espírito de Profecia e a Bíblia tão clara e acuradamente como alguém pudesse exprimi-lo em palavras.” 34 Um telescópio não coloca mais estrelas no céu; ele simplesmente revela de maneira mais clara as estrelas que já estão lá. E os escritos de Ellen White, mudando a figura, podem também ser vistos como um microscópio que ajuda a “ampliar e tornar claros os pormenores das verdades da Palavra” de Deus. 35 Da mesma forma, os escritos de Ellen White acrescentam detalhes e tornam claros os ensinos das Escrituras.

 

O modelo de relacionamento de Jemison

O falecido T. H. Jemison, numa obra que por décadas foi o livro de texto padrão para a matéria de Orientação Profética nas faculdades adventistas, devota um capítulo todo a “Os Escritos de Ellen G. White e a Bíblia” no livro A Prophet Among You (Um Profeta entre Vós).

Citando extensivamente as palavras da própria Ellen White, principalmente no capítulo “A Natureza e Influência dos Testemunhos”, 36 Jemison mostra que a Srª. White considerava que seus escritos cumpriam oito funções, que poderiam prontamente ser agrupadas em três categorias:

 

A. Dirigir atenção para a Bíblia:

1. Exaltar a Bíblia.

2. Atrair as mentes para a Bíblia.

3. Chamar a atenção para verdades negligenciadas.

B. Auxiliar na compreensão da Bíblia:

4. Gravar verdades já reveladas.

5. Despertar as mentes.

6. Simplificar verdades.

C. Ajudar a aplicar princípios bíblicos a nossa vida:

7. Apresentar princípios e ajudar a aplicá-los.

8. Instruir em detalhes. 37

 

O parágrafo final de Jemison neste capítulo é especialmente instrutivo. Depois de perguntar o que significam as expressões de Ellen White: “não é trazida nenhuma verdade adicional” 38 e “os testemunhos escritos não são para dar nova luz” 39, e de perguntar: “Não são dadas descrições e enumerados detalhes nos livros de Ellen White que não são mencionados na Bíblia?” Jemison responde: “Certamente, ou haveria pouco propósito em dar estas mensagens. E estas não são ‘verdade adicional’ e ‘nova luz’? De maneira alguma. Os escritos não introduzem nenhum assunto novo, nenhuma revelação nova, nenhuma doutrina nova. Eles simplesmente dão detalhes adicionais sobre assuntos que já são parte do relato bíblico. A Bíblia abrange todo o âmbito da verdade espiritual. Não há necessidade de que nada mais seja acrescentado. Mas detalhes, incidentes e aplicações adicionais contidos nestes escritos modernos levam a uma percepção mais aguçada e a uma compreensão mais profunda da verdade já revelada.” 40

 

As duas “ressurreições especiais”

Uma ilustração de como estes escritos nos dão não apenas detalhes adicionais mas também sugere novos relacionamentos entre certas passagens específicas da Bíblia é visto no tratamento que Ellen White dá em sua discussão das duas ressurreições especiais mencionadas na Bíblia.

1. A ressurreição especial na Páscoa. Duas vezes na Bíblia, uma vez no evangelho de Mateus e uma vez na epístola de Paulo aos Efésios, é mencionado um intrigante assunto com minúcias torturantes: a ressurreição especial que ocorreu na manhã do domingo de Páscoa e a incrível consequência, 40 dias mais tarde, na Ascensão. Estes são os fatos como se encontram na Bíblia: em Mateus 27:51-53 é-nos dito que (a) houve um terremoto no momento da morte de Cristo; (b) ele abriu várias sepulturas; (c) depois de Cristo ter ressuscitado no domingo de manhã “muitos” foram ressuscitados; (d) estas pessoas foram identificadas como “santos” (na Bíblia um santo não é uma pessoa super-justa que opera milagres, mas sim um cristão comum, um pecador salvo pela graça); (e) as pessoas ressuscitadas dos mortos entraram em Jerusalém (“a cidade santa”); (f) apareceram a “muitos” dos cidadãos daquele lugar; e em Efésios 4:8 (margem) ainda nos é dito que (g) ascenderam com Cristo ao Céu 40 dias após terem sido ressuscitados dos mortos. Ellen White, contudo, afasta a cortina e dá quase uma dúzia de fatos adicionais de identificação e informação:

– Durante sua vida natural eles “haviam colaborado com Deus.” 41

– Foram mártires; “à custa da própria vida” 42 “tinham dado valorosamente o seu testemunho em favor da verdade.” 43

– Representavam “todos os tempos” da História, “desde a criação até os dias de Cristo.” 44 (Abel foi o primeiro mártir; João Batista o último mártir registrado antes do Calvário.)

– Diferiam em estatura e formas, “sendo alguns mais nobres que outros, em seu aspecto. … Os que viveram nos dias de Noé e Abraão pareciam-se com anjos na forma, beleza e força.” 45 [Adão tinha mais de duas vezes a altura dos homens que vivem hoje; Eva era um pouco mais baixa (sua cabeça ia até pouco acima dos ombros dele)]. 46

– Ressurgiram par a imortalidade; 47 enquanto que as três pessoas ressuscitadas durante o ministério de Cristo antes do Calvário não ressuscitaram para a vida eterna, e subsequentemente morreram de novo. 48

– Foi Cristo quem os ressuscitou para a vida. 49

– Sua obra era testemunhar da ressurreição de Cristo. Eram testemunhas que os sacerdotes não podiam silenciar. 50 O testemunho deles contradisse a mentira dos soldados romanos subornados. 51

– Sua mensagem era: o sacrifício pelo homem estava completo; Jesus, a quem os judeus crucificaram, ressuscitara dos mortos. 52 A prova? “Ressuscitamos com Ele.” 53

– Eram o cumprimento vivo da profecia de Isaías 26:19. 54

– Jesus os apresentou em pessoa a Seu Pai no Céu como as primícias de todos os justos mortos que um dia seriam trazidos de volta à vida. 55

É verdade que nos escritos de Ellen White não temos “nenhum assunto novo, nenhuma revelação nova, nenhuma nova doutrina”; mas temos bastante informações novas!

2. A ressurreição especial pouco antes da segunda vinda de Cristo. Quatro passagens da Bíblia falam, diretamente ou por implicação, de uma ressurreição especial pouco antes da segunda vinda de Cristo. 56 Ellen White interpreta para nós: haverá três classes de pessoas – (a) os que morreram na fé da terceira mensagem angélica, guardando o sábado; (b) os que crucificaram Jesus e não encontraram a salvação antes de morrerem, 19 séculos atrás; e (c) os mais violentos oponentes da verdade de Cristo e de Seu povo. 57 Podemos deduzir da Bíblia só as primeiras duas categorias; a terceira nos vem pelo dom profético de nossa época como uma informação adicional, extra-bíblica.

 

Ellen White e o Desenvolvimento das Doutrinas Adventistas

Muitos dos que estão na igreja adventista hoje e que expressam preocupação (ou mesmo dúvida) sobre a autoridade de Ellen White na igreja geralmente concentram seu interesse na questão da autoridade doutrinária. Sendo este o caso, é especialmente útil para nós o examinar, sucessivamente, a maneira em que nós, como povo, chegamos às nossas doutrinas, e a maneira em que a própria Ellen White considerou a natureza de sua contribuição para esse processo.

 

As Conferências Sabáticas

A maioria dos historiadores adventistas provavelmente concordariam que a estrutura doutrinária da denominação foi formada, em grande parte, durante uma série de longas reuniões de fim-de-semana que hoje chamamos de conferências bíblicas, mas que nos primeiros tempos eram geralmente conhecidas como conferências sabáticas. Os historiadores, contudo, parecem estar menos de acordo quanto à época em que estas reuniões foram realizadas. LeRoy Edwin Froom, autor da monumental e exaustiva obra em quatro volumes, The Prophetic Faith of Our Fathers (A Fé Profética de Nossos Pais), num capítulo intitulado “As Conferências Sabáticas Consolidam o Movimento Emergente”,58 parece satisfeito em mencionar meramente as seis conferências realizadas em 1848:

1. Rocky Hill, Connecticut, 20 a 24 de abril, na casa de Albert Belden. Pessoas presentes: cerca de 50. Oradores: H. S. Gurney, José Bates (o sábado e a lei) e Tiago White (a compreensão inicial da terceira mensagem angélica, seu escopo e especificações).

2. Volney, New York, 18 de agosto, na casa de David Arnold. Pessoas presentes: cerca de 35. Oradores: José Bates (o sábado), e Tiago White (a parábola de Mateus 25:1-13).

3. Port Gibson, New York, 27 e 28 de agosto, no celeiro de Hiram Edson. Não há detalhes específicos disponíveis.

4. Rocky Hill, Connecticut, 8 e 9 de setembro, na casa de Albert Belden. Não há detalhes específicos disponíveis.

5. Topsham, Maine, 20-22 de outubro, na casa de Stockbridge Howland. A discussão se centralizou em torno da possibilidade de publicar um periódico, mas uma vez que os participantes não tinham fundos, nenhum voto concreto foi tomado.

6. Dorchestre, Massachusetts, 18 de novembro, na casa de Otis Nichols. Ocorreu uma discussão adicional sobre a publicação de um periódico, e Ellen White recebeu conselho afirmativo do Senhor quanto a este ministério de publicações.

 

Os editores da Enciclopédia Adventista do Sétimo Dia, contudo, vêem um período de três anos envolvido na formação doutrinária, em vez de meramente o ano inicial de 1848; e salientam que em 1849 houve outras seis conferências (Tiago e Ellen White estiveram presentes a pelo menos três delas: à de Paris, Maine, em setembro, e às de Oswego e Centerport, New York, em novembro). E em 1850 houve um total de dez conferências sabáticas, e os White estiveram presentes a oito delas. 59

As conferências eram frequentadas em sua maior parte por aqueles que haviam sido arrebanhados pelo movimento milerita e não estavam dispostos, após o grande desapontamento de 22 de outubro de 1844, a lançar fora sua experiência passada (como muitos outros haviam feito). Amigos interessados destes ex-mileritas também estiveram presentes às reuniões, que podiam acontecer durante a sexta e o sábado, ou sábado e domingo, ou de quinta a domingo. Tendo em mente que o movimento milerita foi provavelmente o movimento mais ecumênico de todo o século dezenove, não é de surpreender que este remanescente dele compreendesse um grupo de pessoas com pontos de vista teológicos grandemente divergentes. Comentando sobre a primeira das conferências de 1848, Tiago White, numa carta escrita posteriormente a Stockbridge Howland, disse dos 50 que estiveram presentes: “Eles não estavam todos inteiramente na verdade.” 60 Quanto à segunda conferência sabática (e primeira reunião geral a ser realizada no oeste do estado de New York), Ellen White, ao descrever as posições dos aproximadamente 35 participantes, escreveu que “dificilmente haveria dois que estivessem de acordo entre si. Alguns se apegavam a erros sérios, e cada qual defendia tenazmente suas opiniões, declarando que estavam de acordo com as Escrituras.” 61 Os problemas discutidos não se centralizavam tanto em se uma crença podia ser encontrada na Bíblia, mas no que a Bíblia queria dizer com suas palavras. Contudo, invariavelmente, quando terminava o fim-de-semana, havia unidade de crença. O que acontecia para extrair essa unanimidade de tal diversidade? Primeiro, havia fervoroso estudo da Bíblia e oração. Escrevendo em 1904, mais de meio século após os eventos, Ellen White ainda tinha vívidas recordações das conferências. Ela escreveu sobre elas porque “muitos de nosso povo não reconhecem quão firmemente foram lançados os alicerces de nossa fé”. Ela identificou por nome muitos dos participantes mais proeminentes que “buscavam a verdade como a tesouros escondidos”. Quanto a sua própria participação, ela acrescentou: “Reunia-me com eles, e estudávamos e orávamos fervorosamente. Muitas vezes ficávamos reunidos até alta noite, e às vezes a noite toda, pedindo luz e estudando a Palavra. Repetidas vezes esses irmãos se reuniram para estudar a Bíblia, a fim de que conhecessem seu sentido e estivessem preparados para ensiná-la com poder.” 62

Mas somente o estudo da Bíblia e a oração não eram suficientes para convencer os participantes. Estes rudes fazendeiros e comerciantes se apegavam tenazmente a suas teorias teológicas acariciadas, sem arredar pé um centímetro. Quanto a isto a Srª White acrescentou: “Essa estranha divergência de opinião acarretava um peso tremendo sobre mim. Vi que muitos erros estavam sendo apresentados como verdade. Parecia-me que Deus estava sendo desonrado. Grande pesar me oprimia o espírito, e desmaiei sob aquele fardo. Alguns recearam que eu estivesse morrendo. Os irmãos Bates, Chamberlain, Gurney, Edson e meu esposo oraram por mim. O Senhor ouviu a oração de Seus servos, e eu me  reanimei.” 63

Além do fervoroso e extenso estudo da Bíblia e oração, as conferências viam a intervenção direta do Espírito Santo; mas esta intervenção não vinha até que os participantes tivessem ido até onde podiam. Notemos a seguir, então, a obra do Espírito Santo que operava através dos vasos humanos nestas conferências nas quais nossas posições doutrinárias foram estabelecidas.

 

O papel das visões na formação doutrinária

A função das visões dadas nas conferências parece ter sido: (a) corrigir os irmãos se estivessem no caminho errado, ou (b) confirmar e corroborar se eles estavam no caminho certo, mas (c) nunca iniciar uma formulação doutrinária. Como Arthur L. White mais tarde declararia no item número 12 (de 21) dos “Pontos Úteis na Interpretação e Uso dos Escritos de Ellen G. White”: “Os conselhos não são dados para tomar o lugar da fé, iniciativa, trabalho duro ou estudo da Bíblia. Deus não usou o Espírito de Profecia para tornar-nos dependentes ou fracos. Ao contrário, os conselhos devem tornar-nos fortes ao encorajar-nos a estudar a Palavra de Deus, e ao encorajar-nos a seguir em frente.” 64 Escreveu Ellen White concernente a este estágio de desenvolvimento doutrinário: “Quando, em seu estudo, chegavam a ponto de dizerem: ‘Nada mais podemos fazer’, o Espírito do Senhor vinha sobre mim, e eu era arrebatada em visão, e era-me dada uma clara explanação das passagens que estivéramos estudando, com instruções quanto à maneira em que devíamos trabalhar e ensinar eficientemente. Assim nos foi proporcionada luz que nos ajudou a compreender as passagens acerca de Cristo, Sua missão e sacerdócio. Foi-me tornada clara uma cadeia de verdades que se estendia daquele tempo até ao tempo em que entraremos na cidade de Deus, e transmiti aos outros as instruções que o Senhor me dera.” 65 Falando da segunda conferência sabática em particular, e da obra e lugar das visões, Ellen White escreveu em sua autobiografia: “A luz do Céu repousou então sobre mim e logo perdi a noção das coisas terrestres. Meu anjo assistente me apresentou alguns dos erros dos presentes, e também a verdade em contraste com seus erros. Essas opiniões contraditórias, que eles pretendiam achar-se em harmonia com as Escrituras, estavam apenas de conformidade com a sua opinião no tocante aos ensinos da Bíblia; foi-me mandado dizer-lhes que deveriam abandonar seus erros, e aceitar as verdades da mensagem do terceiro anjo.” 66 O que fez com que estes adventistas pós-mileritas aceitassem as visões desta jovem profetisa que nem chegara à casa dos vinte? Talvez três razões tenham sido fundamentais:

Primeiro, o conteúdo das visões. Elas eram relevantes e úteis para resolver os problemas imediatos dos quais as conferências estavam tratando. Segundo, os incríveis fenômenos físicos que acompanhavam uma visão pública. Isto nunca foi um teste de autenticidade, porque Satanás pode contrafazer, e de fato contrafaz, fenômenos físicos, mas certamente era uma evidência de atividade sobrenatural.

Terceiro, o contínuo fenômeno da mente da profetisa estar “fechada” quando ela não estava em visão. Isto aparentemente durou por um período de “dois ou três anos” – coincidindo com as conferências sabáticas – e durante este tempo, quando não em visão, tudo o que a Srª. White podia fazer era relatar o que ela havia visto em visão; não conseguia entrar nas discussões subseqüentes nem sobre o significado do que ela havia visto nem sobre a verdade bíblica em geral. “Minha mente estava por assim dizer fechada”, ela escreveu anos depois, “e não podia compreender o sentido das passagens que estudávamos.” E ela permaneceu assim “fechada” até que todos os principais pontos de nossa fé tivessem sido sistematicamente desenvolvidos. 67

Ela também escreveu do efeito disto sobre os que assistiam às conferências: “Os irmãos sabiam que, quando não em visão, eu não compreendia esses assuntos, e aceitaram como luz direta do Céu as revelações dadas.” 68

De sua perspectiva com a idade de 77 anos, a observação de Ellen White quanto a seus sentimentos em relação a este fenômeno em que sua mente estava trancada é ainda mais pungente: “Esta foi uma das maiores tristezas de minha vida.” 69

Em grande parte por causa da natureza útil de suas visões nas conferências bíblicas, a Srª. White pôde escrever sobre tais ocasiões: “Nossa reunião encerrou-se triunfantemente. A verdade ganhou a vitória. Nossos irmãos renunciaram a seus erros e uniram-se à mensagem do terceiro anjo; e Deus grandemente os abençoou e acrescentou muitos ao seu número.” 70 Froom, olhando para os fatos acima, vê o papel de Ellen White na formação doutrinária como sendo essencialmente a de um árbitro: a um, “sua idéia está correta”; a outro: “sua ideia está errada”. Ele diz:

“Ao longo de todo este tempo de intensa pesquisa o Espírito de Profecia foi uma ajuda – mas apenas uma ajuda. Nenhuma doutrina ou interpretação de profecia foi inicialmente descoberta ou revelada através do Espírito de Profecia. As doutrinas dos sabatistas estavam todas fundamentadas nas Santas Escrituras, portanto a plataforma deles foi verdadeiramente uma plataforma protestante.” 71

Não podemos deixar de pensar, contudo, se a declaração de Froom não está em conflito com o testemunho da Srª White de que “uma linha da verdade… foi-me deixada clara” e, além disso, “foram dadas instruções sobre como devíamos trabalhar para ensinar com eficiência”; embora a observação de Froom esteja provavelmente bem perto do alvo. 72

 

Como Ellen White via sua autoridade

Em vista das experiências dramáticas, para não dizer sensacionais, pelas quais ela passou, não apenas de 1848 a 1850, mas em anos posteriores, quando estas doutrinas originais foram repetidas e ampliadas pelo Espírito Santo, é interessante examinar o efeito destas experiências sobre a percepção de Ellen White. Como ela via a si mesma? Como avaliava a obra que Deus a levara a realizar? Que conseqüências resultariam de uma rejeição de sua obra?

1. Ela negava estar dando meramente seu conhecimento/opinião pessoal. Ellen White foi objeto de ataques acrimoniosos mesmo durante sua vida; e ela falou pronunciadamente em defesa de si mesma – e de Deus. Negou a noção de que estivesse apresentando meramente informações ou opiniões humanas, mas afirmou, ao contrário, que todas as suas declarações vinham de Deus e que ela era meramente o conduto. “Não sou dotada de nenhuma sabedoria especial; sou apenas um instrumento nas mãos de Deus para fazer a obra que me designou. As instruções que tenho dado pela pena e de viva voz são uma expressão da luz que Deus Se dignou conceder-me.” 73 Em suas cartas e testemunhos, disse Ellen White, “Nessas cartas que escrevi, nos testemunhos de que sou portadora, apresento-vos aquilo que o Senhor me tem apresentado a mim. Não escrevo nem um artigo expressando meramente minhas próprias ideias. Eles são o que Deus me expôs em visão – os preciosos raios de luz que brilham do trono.” 74 Ellen White afirmou ocupar um lugar singular em sua igreja – uma obra não confiada a nenhum outro membro. Ela citou um anjo como lhe tendo dito: “Deus levantou você e lhe deu palavras para comunicar ao povo e para alcançar corações, como não deu a nenhuma outra pessoa. … Deus a impressionou com isto, abrindo-o diante de sua visão, como não fez com nenhuma outra pessoa que esteja viva.” 75 Falando por si mesma, ela continuou: “Deus não deu a meus irmãos a obra que Ele me deu.” 76 Para ilustrar a natureza essencial dessa singularidade, ela acrescentou: “Quando estou falando às pessoas, digo muitas coisas que não havia premeditado. O Espírito do Senhor freqüentemente vem sobre mim. Pareço ser levada para fora e para longe de mim mesma. … Sinto-me compelida a falar do que é colocado diante de mim. Não ouso resistir ao Espírito de Deus.” 77

“De um terreno mais alto, sob a instrução que Deus me deu, apresento estas coisas diante de vós”, ela declarou. 78 Ela continuou, negando que qualquer pessoa pudesse aceitar parte de seus escritos e rejeitar outras partes. “Não podemos pertencer metade o Senhor e metade ao mundo. Não somos filhos de Deus a menos que o sejamos totalmente.” 79 A seguir, note isto. Falando de seus testemunhos, ela afirmou: “Ou Deus está ensinando a Sua igreja, reprovando os seus erros e fortalecendo a sua fé, ou não está. Esta obra é de Deus ou não o é. Deus nada faz de parceria com Satanás.

Minha obra… ou traz o cunho de Deus ou o cunho do maligno. Não há meio-termo  este caso. Ou os Testemunhos procedem do Espírito de Deus ou do diabo.” 80

Ela não estava dando “simplesmente a opinião da irmã White”; e os que afirmavam isto, ela declarou, tinham “assim insultado o Espírito de Deus”. 81 Ela amplia isto um pouco mais, dizendo: “Se pois aqueles, a quem estas solenes advertências dizem respeito, objetarem: ‘Isto não é senão a opinião individual da irmã White, prefiro seguir o meu próprio juízo’, e continuarem a fazer as mesmas coisas contra as quais foram advertidos, revelarão com isto que desprezam os conselhos divinos, e o resultado será justamente o que o Espírito de Deus me revelou que havia de ser: agravo à causa de Deus e perdição própria.” 82 2. A Srª. White reivindicava autoridade para definir verdades doutrinárias. Mas ela foi ainda além. Ela não só era uma porta-voz de Deus quando falava sobre algum assunto nos lares e igrejas de seus irmãos de fé, mas, quando definia uma posição doutrinária, essa definição era autoritativa e confiável. Falando sobre os primeiros tempos (indubitavelmente uma referência às conferências sabáticas de 1848 a 1850), quando “erro após erro procurava forçar entrada entre nós”, e “pastores e doutores introduziam novas doutrinas”, os pequenos grupos passavam “por vezes noites inteiras” pesquisando as Escrituras e orando a Deus por Sua guia. … Nessas ocasiões, “o poder de Deus vinha sobre mim, e eu era habilitada a definir claramente o que era a verdade e o que era erro.” 83

A Srª White declarou, com efeito, que suas declarações sobre doutrina estavam essencialmente sem erro. “Há uma corrente de verdade retilínea, sem uma só frase herética, naquilo que escrevi.” 84 Seus testemunhos “nunca contradizem” a Bíblia porque ela foi “instruída a respeito da relação de uma passagem para com outras passagens da Escritura.” 85 Mesmo os assuntos doutrinários em seus diários pessoais, escreveu ela cinco anos antes de sua morte, deviam ser impressos porque contêm “luz” e “instruções” que lhe foram dadas para “corrigir erros e para especificar o que é verdade.” 86 Ao evangelista W. W. Simpson, que trabalhava no sul da Califórnia, ela escreveu em 1906: “Sou grata porque as instruções contidas em meus livros estabelecem a verdade presente para este tempo. Estes livros foram escritos sob a demonstração do Espírito Santo.” 87 Em 1905, pouco depois de ter tido de censurar as doutrinas espúrias promovidas pelo Dr. John Harvey Kellogg e seus seguidores, e olhando novamente para trás, àquelas primeiras conferências sabáticas nas quais a manifestação do Espírito Santo foi tão marcada, a Srª White declarou sem equívocos:

“Quando o poder de Deus testifica daquilo que é a verdade, essa verdade deve permanecer para sempre como a verdade. Não devem ser agasalhadas quaisquer suposições posteriores contrárias ao esclarecimento que Deus proporcionou.” 88

No restante da passagem ela falou de se levantarem homens no futuro (como haviam se levantado no passado) com “interpretações das Escrituras que para eles são verdade, mas que não o são”. Estas pessoas afirmariam possuir “nova iluminação”. Mas, asseverou ela, as doutrinas destes homens iriam contradizer a luz “que foi dada por Deus sob a demonstração de Seu Santo Espírito”. Ela então aconselhou os futuros líderes da igreja a rejeitarem tais mensagens que contradigam “os pontos especiais de nossa fé” e que movam nem que seja “uma coluna do fundamento sustentado por Deus” de 1844 até a virada do século. A aceitação de tais conceitos levaria “à negação da verdade que, nos últimos cinqüenta anos, Deus tem estado a conceder a Seu povo, comprovando-a pela demonstração de Seu Santo Espírito.” 89 3. Motivação dos críticos. A motivação fundamental daqueles que “dissecam” os escritos da Srª. White “para os acomodar às vossas próprias idéias, pretendendo que Deus vos deu perícia para discernir o que é luz do Céu e o que é mera sabedoria humana” 90, foi identificada pela profetisa como sendo “o espírito predominante em nosso tempo… infidelidade e apostasia – espírito de professada iluminação…, mas na realidade da mais cega presunção”. Ela acrescentou: “Há um visível espírito de oposição à clara Palavra de Deus, de idolátrica exaltação da sabedoria humana sobre a revelação divina.” 91

E indo ainda mais fundo na questão da causa, a Srª White explicou o “verdadeiro” motivo (itálicos dela) para oposição aos seus escritos, que raramente é mencionado em público: ela escreveu ou disse algo que reprova o estilo de vida do crítico, talvez na área de dieta ou vestuário, material de leitura, entretenimento e diversão, mordomia ou observância do sábado. O crítico exibe assim, por sua crítica, “uma falta de coragem moral, de uma vontade fortalecida e dirigida pelo Espírito de Deus, para renunciar hábitos perniciosos.” 92 4. O perigo da dúvida. A seguir notamos a Srª White voltando sua atenção para a questão da dúvida – dúvida quanto à Bíblia e dúvida quanto aos escritos da profetisa contemporânea de Deus: “Satanás tem habilidade em sugerir dúvidas e inventar objeções ao testemunho que Deus envia, e muitos consideram uma virtude e indício de inteligência, o mostrar-se descrente, duvidar e argumentar. Os que querem duvidar têm suficiente oportunidade para isso. Deus não Se propõe fazer desaparecer toda ocasião para a incredulidade. [Se Ele fizesse isso, removeria automaticamente toda oportunidade para o exercício da fé!] Apresenta evidências que precisam ser cuidadosamente investigadas, com espírito humilde e susceptível ao ensino; e todos devem julgar pela força dessas mesmas evidências.  Deus dá aos espíritos sinceros suficientes evidências para crer; o que, porém, voltar os olhos da força dessas provas, somente porque deparou algumas coisas que sua inteligência finita não apreende, será abandonado à atmosfera glacial da incredulidade e da dúvida, vindo a experimentar o naufrágio da fé.” 93

A Srª White declarou fervorosamente: “Se vocês perderem a confiança nos Testemunhos, se afastarão das verdades bíblicas.” 94 Ela dá até mesmo os passos sucessivos na escada descendente que leva à “perdição”. Note-os: a. Satanás faz com que os membros da igreja se empenhem num espírito de crítica da liderança denominacional em todos os níveis – ele excita “ciúme e descontentamento em relação aos que têm a direção do trabalho.” b. Discutem-se depois os dons espirituais em geral (e o dom de profecia exercido através da Srª White em particular), “resultando daí serem eles amesquinhados, e acaba-se por desconsiderar as instruções dadas por meio de visões.” c. As doutrinas básicas, ou sustentáculos, da igreja, os “pontos vitais de nossa fé”, geram ceticismo; e então d. “Vem depois a dúvida sobre as Escrituras Sagradas,” sobre a própria Bíblia, “e, finalmente, a marcha definitiva para a perdição.” A Srª. White ainda acrescenta: “Quando os Testemunhos, em que uma vez se acreditou, são postos em dúvida e rejeitados, Satanás sabe que os iludidos não se deixarão ficar por aí; e redobra de esforços até que os arraste a uma rebelião declarada, que se torne insanável e termine em destruição. Com dar lugar a dúvida e incredulidade quanto à obra de Deus, … aparelham a si próprios o caminho para completo engano.” 95 5. Um apelo – e uma advertência. A Srª. White apelou fervorosamente aos críticos de seus dias:

“Não se interponham entre mim e o povo, desviando dele a luz que Deus lhe deseja dar. Não deprimam, por sua crítica, a força, a virtude e a importância dos Testemunhos. … Se os Testemunhos não falarem de acordo com a Palavra de Deus, rejeitem-nos. Cristo e Belial não se unem. Por amor de Cristo, deixem de confundir o espírito do povo com sofismas e ceticismo, tornando de nenhum efeito a obra que Deus deseja fazer. Não procurem, por sua falta de discernimento espiritual, fazer deste método de operação de Deus, uma pedra de escândalo pela qual muitos venham a tropeçar e cair, ser enlaçados e presos.” 96

Indo ainda mais longe, ela afirma que “a incredulidade de vocês não mudará os fatos no caso”; 97 “a incredulidade de vocês não afeta a veracidade deles [dos Testemunhos]. Se eles forem de Deus, permanecerão.” 98

E depois diz: “Deus não é homem; Ele não Se deixará escarnecer.” 99 E “oposição às ameaças de Deus não impedirá a execução delas. Desafiar as palavras do Senhor, faladas através de Seus instrumentos escolhidos, somente provocará Sua ira e acabará trazendo ruína certa sobre o ofensor.” 100 Falando sobre sua obra, e sobre o Senhor que a comissionou, a Srª. White ainda adverte: “Se Deus me deu uma mensagem a transmitir a Seu povo, aqueles que querem me impedir na obra e diminuir a fé das pessoas em sua verdade não estão lutando contra o instrumento, mas contra Deus. Vocês menosprezam e insultam não ao instrumento, mas a Deus, que falou a vocês nestas advertências e reprovações. Dificilmente é possível que alguém faça um insulto maior a Deus do que desprezar e rejeitar as instrumentalidades que Ele apontou para guiá-los.” 101

Numa visão noturna o Senhor falou à Srª White sobre aqueles que haviam virado as costas à luz que lhes fora enviada. “Ao menosprezarem e rejeitarem o testemunho que Eu lhe dei para transmitir, não foi você, mas a Mim, que eles menosprezaram.” 102 E, finalmente: “Se vocês procurarem”, disse a Srª White, “colocar de lado o conselho de Deus de maneira a lhes convir, se vocês diminuírem a confiança do povo de Deus nos Testemunhos que Ele lhes enviou, vocês estão se rebelando contra Deus tão  certamente como Coré, Datã e Abirã. Vocês conhecem a história deles.” 103 Por outro lado, “todos os que crêem que o Senhor tem falado por intermédio da irmã White, e lhe tem dado uma mensagem, estarão livres dos muitos enganos que surgirão nestes últimos dias.” 104 Para resumir esta consideração do papel de Ellen White no desenvolvimento da doutrina adventista do sétimo dia, concluímos que ela desempenhou uma parte importante na formação da crença doutrinária adventista, especialmente durante as conferências sabáticas de 1848 a 1850; mas seu papel este essencialmente limitado a transmitir as mensagens de Deus dadas em visão, em vez de entrar em diálogo com os que estavam elaborando a estrutura de nosso sistema doutrinário. O Espírito de Deus não vinha sobre ela até que os que estavam empenhados em sério estudo e oração tivessem ido até onde podiam; então as mensagens dadas através da Srª. White se inclinavam ou a corrigir (se os participantes estavam indo na direção errada) ou a confirmar e corroborar (se estavam indo na direção certa); mas não há evidências de que as visões foram dadas para iniciar a formulação doutrinária. A Srª White, conquanto mantivesse a primazia da Bíblia, se considerava, não obstante, como alguém correspondente aos profetas bíblicos no receber as mensagens de Deus e transmiti-las a Seu povo. Uma vez que era o mesmo Espírito, falando nos tempos bíblicos e também nos tempos modernos, essas mensagens tinham igual valor. Elas não podiam ser ignoradas com impunidade, quer pelos críticos que tentavam dissecá-las, quer por outros que convenientemente as negligenciava e ignorava.

 

 “A Bíblia e a Bíblia somente!”

Nos dias da Reforma Protestante a proclamação pública dos protestantes contra a primazia da tradição humana sobre a Escritura inspirada foi: “A Bíblia e a Bíblia somente!” No início do movimento do Advento este mesmo slogan foi ouvido com frequência, mas naquele tempo o slogan foi empregado para camuflar sutis difamações do ministério e das mensagens de Ellen White. Este slogan também é ouvido hoje na mesma conexão. Numa reunião campal na última primavera um pastor adventista de um de nossos colégios da América do Norte contou esta experiência: num sábado, numa certa classe da escola sabatina cujo professor era um professor do campus, e que era frequentada por alunos da faculdade, o professor começou perguntando aos membros da classe individualmente que ideias eles haviam encontrado em escritos extrabíblicos contemporâneos que tivessem importância para o estudo da lição daquele dia. Foram oferecidas respostas através de citações de autores úteis como Lutero e Calvino, bem como Keith Miller, Paul Tournier, C. S. Lewis, e assim por diante. A seguir o professor pediu que os alunos partilhassem sua reação à lição, e seguiu-se uma série de testemunhos individuais. A esta altura um membro da classe, uma estudante bem versada nos escritos de Ellen White, disse que havia encontrado algo útil, algo que viera em resposta a sua necessidade, nos escritos da Srª White; mas antes que ela pudesse dizer algo mais, o professor a cortou com a observação: “Nesta classe vamos ficar com ‘A Bíblia e a Bíblia somente!’” Ironicamente, até aquele momento o testemunho direto da Bíblia tinha estado totalmente ausente da classe! Ellen White, ao dirigir-se aos professores da escola sabatina em 1900, instruiu-os a gravar “nas mentes que a nossa regra de fé é a Bíblia, e a Bíblia só.” 105 E no último livro que ela escreveu antes de sua morte em 1915 ela admoestou os ministros da igreja, dizendo que “As palavras da Bíblia, e a Bíblia somente, deviam ser ouvidas do púlpito.” 106 Isto significava, como alguns hoje alegam, que seus escritos nunca deviam ser incorporados num sermão? De maneira alguma. Numa útil monografia de 37 páginas 107, Arthur L. White, que foi por anos secretário do Patrimônio de Ellen G. White na Associação Geral (e que era neto da profetisa), pesquisa a posição dos pioneiros de nossa denominação e cita declarações publicadas que não se encontram prontamente disponíveis ao inquiridor atual. Ele também examina as 13 principais declarações da pena da Srª White em que ela usou o slogan da Reforma, “a Bíblia, e a Bíblia somente”, e chega a quatro conclusões ao resumir as evidências documentais:

1. Que em nenhuma ocasião esta frase foi empregada pra excluir a obrigação de reagir às visões como luz que Deus enviou a Seu povo.

2. Que na maioria dos casos as palavras são empregadas no contexto de contrastar os ensinos da Palavra de Deus com a tradição ou com as teorias humanas de um falso sábado, etc.

3. Que em vários casos as palavras são usadas para definir nossa posição sobre as visões, com a explicação de que seguir a Bíblia implica na aceitação das operações do dom de profecia como tendo autoridade sobre todos os que aceitam a Palavra de Deus, o que prevê o aparecimento deste dom nos últimos dias.

4. Que através das visões Deus nos tem guiado a uma compreensão correta de Sua Palavra e tem nos ensinado, e continuará a fazê-lo. Ademais, precisamos sempre reconhecer nossa obrigação de aceitar esta guia de Deus. Arthur White também salienta que embora as 13 principais declarações da pena de Ellen White abrangem mais de meio século (de 1851 a c. 1914), o teor das declarações no final de sua vida não são apreciavelmente diferentes das declarações mais antigas escritas sobre o assunto. 108 A SrªWhite nunca mudou sua posição sobre este assunto.

 

A parábola de Urias Smith

“Descartamos a Bíblia ao Endossar as Visões?” foi a pergunta feita por Urias Smith no editorial de um exemplar de 1863 da Review and Herald. Ele responde com um ressoante “Não!” e no decurso da análise do assunto conta uma interessante parábola para ilustrar sua posição: “Suponha”, ele propõe, “que estejamos para iniciar uma viagem”. Antes da partida o dono da embarcação dá à tripulação um “livro de instruções”, e lhes assegura que as instruções que ele contém são suficientes para toda a viagem. Se estas instruções forem atendidas, a embarcação chegará com segurança ao seu destino. Então a tripulação se lança ao mar, e abre o livro para examinar seu conteúdo. Descobrem que, em geral, o autor expôs os princípios básicos que devem governar a conduta da tripulação durante a viagem, e tocou em várias eventualidades que poderiam surgir. Contudo, o autor salienta que a última parte da viagem pode ser particularmente perigosa, pois “os contornos da costa estão sempre se alterando por causa da areia movediça e das tempestades”. Por causa disto, o autor combinou que um piloto se uniria à tripulação para dar ajuda especial no guiar a embarcação com segurança ao porto final. O autor também aconselha a tripulação a dar ouvidos às orientações e instruções do piloto “que as circunstâncias adjacentes ou os perigos possam exigir”. Na época marcada o piloto aparece, como prometido. Mas, inexplicavelmente, quando ele oferece seus serviços ao capitão e à população, alguns dos marinheiros se levantam em protesto, afirmando que o livro original de instruções é suficiente para conduzi-los até o final. “’Baseamo-nos nisto, e nisto somente; nada queremos de você’”, eles declaram. Smith então faz a pergunta retórica: “Quem, agora, seguiu aquele livro original de instruções? Os que rejeitam o piloto, ou os que o recebem, como aquele livro os instrui? Julgai.”

Finalmente, antecipando a objeção de alguns de seus leitores de que ele tencionava que esta parábola obrigasse a igreja a receber Ellen White como seu “piloto”, o editor tenta interceptar tal reclamação com este pós-escrito: “De forma alguma dizemos tal coisa. O que em realidade dizemos é distintamente isto: que os dons do Espírito nos são dados como piloto através destes tempos de perigo, e onde quer que seja ou em quem quer que seja que encontremos manifestações genuínas dos mesmos, somos obrigados a respeitá-los, e não podemos deixar de fazer isso sem ao mesmo tempo rejeitar a Palavra de Deus, que nos instrui a recebê-los.” 109 A posição do presidente da Associação Geral, George I. Butler, num artigo da Review and Herald, é uma resposta apologética típica do primeiros pioneiros adventistas. À objeção de que a Bíblia é suficiente porque Paulo declara que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (II Timóteo 3:16 e 17), a réplica de Butler foi: “Se toda a Escritura é proveitosa, supomos que o sejam aquelas porções que ensinam a perpetuidade dos dons espirituais, e que nos dizem que eles estarão na igreja nestes últimos dias, e que nos dizem como distinguir entre o falso e o genuíno. Estas provam que as visões sob consideração são da índole correta.” 110 Muitos que hoje proclamam chamado protestante, “a Bíblia, e a Bíblia somente”, parece inferir uma falsa dicotomia, uma situação ou/ou: se você tem a Bíblia, não pode ter Ellen White; se tem Ellen White, não pode ter a Bíblia. Esta dicotomia é patentemente inválida. Alguns adventistas, inclusive pastores e estudiosos, dizem, por exemplo: “Não posso encontrar na Bíblia a doutrina adventista do juízo investigativo”. Essas pessoas declaram, porém, que mesmo assim aceitam a doutrina por causa da regra hermenêutica legítima que permite a um profeta posterior ampliar a compreensão da verdade declarada por um profeta anterior.

O que estas pessoas estão realmente dizendo, na opinião deste escritor, é: “Com minhas presentes pressuposições teológicas e meus atuais instrumentos hermenêuticos – minhas pressuposições e minhas predileções – não encontro essa doutrina na Escritura”. Contudo, outros estudiosos adventistas, de qualificações acadêmicas igualmente impecáveis, afirmam que encontram essa doutrina na Escritura – nas profecias de Daniel e Apocalipse, e nas parábolas de Jesus da veste nupcial e da rede.

 

Conclusão

O que a igreja adventista sustenta sobre a relação entre os escritos da Srª White e a Bíblia?

1. Não consideramos os escritos de Ellen G. White como uma adição ao cânon sagrado da Escritura.

2. Não achamos que estes escritos tenham aplicação universal, como a Bíblia, mas que foram escritos particularmente para a igreja Adventista do Sétimo Dia.

3. Não consideramos os escritos da Srª White no mesmo sentido que as Escrituras Sagradas, que têm posição única e singular como o padrão pelo qual todos os outros escritos devem ser julgados. 111 Mas, tendo dito isto, precisamos dizer mais. Uma vez que cremos que a inspiração é indivisível, e uma vez que a única atividade do profeta é dizer-nos o que Jesus lhe disse (“o testemunho de Jesus é o espírito da profecia”), não há base, portanto, para a crença nem em graus de inspiração nem em graus de autoridade. Ellen White foi inspirada da mesma forma e no mesmo grau que os profetas bíblicos. E o conselho que Maria deu aos servos nas bodas em Caná quanto a Seu Filho bem poderia ser parafraseado: “Fazei tudo o que Ele vos disser [seja por que profeta for]” (João 2:5).

Se, como pelo menos alguns estudiosos crêem, a primeira epístola de Paulo aos Tessalonicenses foi o primeiro livro do Novo Testamento a ser escrito, então sua preocupação expressa nos versículos finais desta epístola podem ter um interessante significado para os cristãos hoje: “Não apagueis o Espírito” (I Tessalonicenses 5:19). “Não sintonize numa emissora diferente da que Ele está”, como poderíamos dizer na linguagem de hoje. A existência da possibilidade de fazer exatamente isto está por trás da necessidade da advertência. “Não desprezeis profecias” (v. 20). Estava Paulo aqui, antes de tudo, dizendo aos cristãos que a palavra de Deus para eles não terminou com o encerramento do cânon da Escritura? Que o dom espiritual da profecia ainda estava sendo exercido – e continuaria a ser exercido – até o fim do tempo? Estava ele dizendo: Não desprezem os profetas dos últimos dias, que serão igualmente inspirados e autorizados – profetas cujas mensagens também vêm diretamente do Espírito Santo? Talvez. “Julgai todas as coisas” (verso 21). O cristão tem a obrigação de “provar os espíritos” (I João 4:1), porque embora nem todos eles sejam de Deus, também é verdade que nem todos eles são do diabo! É aqui ordenado ao cristão (pelo Espírito Santo através de Paulo) que examine seriamente o conteúdo de supostos escritos proféticos. Ele precisa também examinar os frutos destes escritos, tanto na vida do suposto profeta quando na vida daqueles que seguem esse profeta. Esta tarefa deve ser empreendida com a mente aberta, disposta a receber mais verdades, uma mente que procura confirmar toda luz nova pelo que já foi testado antes (Atos 17:11). E, havendo feito o teste, e notado os resultados, “Retende o que é bom” (I Tessalonicenses 5:21). Numa época de crise aguda, na virada do século, quando líderes da igreja adventista estavam introduzindo heresias sutis, a profetisa de Deus proclamou uma mensagem que tem surpreendente relevância para nós hoje, que vivemos em outra época de crise: “O Senhor proporcionará à Sua obra força nova e vital, ao obedecerem os instrumentos humanos à ordem de sair a proclamar a verdade. … A verdade será criticada, escarnecida e ridicularizada; mas quanto mais de perto for examinada e testada, mais resplandecerá. …

“Os princípios da verdade que Deus nos revelou, são nossos únicos, fiéis alicerces. Eles é que fizeram de nós o que somos. O correr do tempo não lhes diminuiu o valor. É constante esforço do inimigo remover essas verdades de seu engaste, colocando em seu lugar teorias espúrias. Ele introduzirá tudo que lhe seja possível, para levar a cabo seus desígnios enganadores. O Senhor, porém, suscitará homens de aguda percepção, que darão a essas verdades seu devido lugar no plano de Deus.” 112

Que você seja um deles!

 

Referências:

1 Walter R. Martin, The Truth About Seventh-day Adventism (Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing House, 1960).

2 Norman F. Doughty, Another Look at Seventh-day Adventism (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1962).

3 Transcrição estenográfica da palestra “White Lies”, de Walter Rea, San Diego, Caliórnia:

Association of Adventist Forums (14 de fevereiro de 1981), p. 9.

4 Ibid. Walter Rea se recusou a conceder permissão para citarmos suas palavras, ipsis literis, da transcrição. Suas observações, portanto, estão parafraseadas.

5 John J. Robertson, The White Truth (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1981).

6 Ibid., p. 79.

7 The Journal of Adventist Education, vol. 44, No. 1 (outubro-novembro de 1981), p. 18.

8 John Quincy Adams, sexto presidente dos Estados Unidos, e professor em tempo parcial de retórica e oratória (1806-1809) em Harvard. De uma série de 37 palestras sobre teoria e prática da retórica, Lectures on Rhetoric and Oratory, recentemente republicadas (New York: Russell &

Russell, 1962), pp. 62-67.

9 Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1957), pp. 90, 91, citado daqui por diante como Questions on Doctrine.

10 I Crônicas 21:9; 29:29; II Crônicas 9:29; 29:25.

11 II Crônicas 9:29; I Reis 11:29; 14:7.

12 II Crônicas 12:15.

13 II Crônicas 9:29; 12:15; 13:22.

14 I Reis 16:1, 7; II Crônicas 19:2; 20:34.

15 II Crônicas 21:12.

16 Os esforços dos polêmicos modernos de dissociar os novos “graus de revelação” da desacreditada posição dos “graus de inspiração” nos traz instintivamente à memória a observação de Shakespeare: “O que há num nome? Aquilo que chamamos de rosa, se designada por qualquer outro nome, teria o mesmo perfume”. (Romeu & Julieta, Ato II, Cena 2, Linha 43).

17 Veja especialmente o artigo publicado em 15 de janeiro de 1884.

18 Carta 22, 1889; citada em Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 23.

19 Uma tradição judaica diz que Natã e Gade escreveram I Samuel 25-31 e II Samuel. [Ver The Seventh-day Adventist Bible Commentary (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1953), vol. 2, p. 447.] Contudo, a única fonte é uma tradição talmúdica, cuja exatidão e autenticidade é, na melhor das hipóteses, “problemática”, segundo o então diretor do Seminário Teológico Adventista da Universidade de Andrews, Gerhard F. Hasel, (entrevista, 6 de novembro de 1981). A possibilidade de a última parte de I Samuel e todo o livro de II Samuel incorporarem porções dos livros “perdidos” de Natã e Gade é apenas uma conjectura. Não se sabe se estes livros – e os escritos de outros profetas literários não-canônicos – chegaram a sobreviver até a época em que foi formado o cânon do Antigo Testamento (talvez 400 A.C.); portanto não sabemos se a exclusão deles foi uma decisão deliberada da parte do(s) compilador(es), ou se não houve escolha porque os livros já estavam perdidos na História.

20 Neufeld editou o Seventh-day Adventist Bible Student’s Source Book e a Seventh-day Adventist Encyclopedia (vols. 9 e 10 da série do The Seventh-day Adventist Bible Commentary), e serviu como um dos editores gerais do The Seventh-day Adventist Bible Commentary. Ao tempo de sua morte ele era um dos editores associados da Adventist Review.

21 Carta de Maxine M. Neufeld, Loma Linda, Califórnia, s.d. (em resposta a minha carta de 19 de agosto de 1981).

22 Manuscrito de sermão, “When Jesus Speaks,” (“Quando Jesus Fala”), p. 10; pregado na igreja adventista de Takoma Park em 2 de fevereiro de 1980. Grifos acrescentados.

23 “Carta Aberta da Srª E. G.White a Todos os Que Amam a Bendita Esperança”, Review and Herald, 20 de janeiro de 1903, p. 15.

24 Ibid.

25 Ibid. Grifos acrescentados.

26 Denton Edward Rebok, Crede em Seus Profetas (Santo André, C.P.B., 1967), capítulo X.

27 O Grande Conflito, p. 7.

28 Carlyle B. Haynes talvez tenha sido o principal expoente desta analogia em suas cruzadas evangelísticas na América do Norte durante a primeira metadade do século vinte.

29 Entrevista com Walt Weinstein, especialista em informações históricas e curador do Museu,

Bureau Nacional de Padrões, Ministério do Comércio dos Estados Unidos, Gaithersburg, Maryland., 29 de outubro de 1981.

30 Crê-se que M. L. Venden (o pai) originou esta ilustração, e a popularizou durante suas cruzadas evangelísticas na América do Norte durante a primeira metade do século vinte.

31 Para uma interessante e ligeiramente controversa discussão de toda a questão, ver Ron Graybill, “Ellen White’s Role in Doctrinal Formation,” (“O Papel de Ellen White na Formação Doutrinária”), na revista Ministry, outubro de 1981, pp. 7-11. Especialmente valiosas para mim são as duas compilações de declarações de Ellen white feitas por Graybill, uma enfatizando a subordinação de seus escritos às Escrituras e outra ilustrando sua reivindicação ao direito de definir e interpretar as Escrituras (p. 9).

32 “Sarepta Myrenda (Irish) Henry,” Seventh-day Adventist Encyclopedia, p. 581. Atribui-se à Srª Henry a criação de um plano para o que ela chamava de “ministério da mulher”, e o fato de ser a primeira na igreja adventista a apresentar um plano organizado para treinar mães e pais na arte e ciência da paternidade (ibid.)

33 Originalmente publicado em The Gospel of Health, janeiro de 1898, pp. 25-28, citado em Rebok, Crede em Seus Profetas, pág.140 (capítulo X).

34 Ibid., p. 141.

35 Ibidem.

36 Ellen G.White, Testemunhos para a Igreja, vol. 5, p. 665.

37 T. Housel Jemison, A Prophet Among You (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn.,

1955), pp. 367-371.

38 Testemunhos para a Igreja, vol. 5, p. 665.

39 Ibid.

40 Jemison, p. 372. Grifos acrescentados.

41 O Desejado de Todas as Nações, p. 786.

42 Ibid.

43 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 304.

44 Primeiros Escritos, p. 184.

45 Ibid.

46 Spiritual Gifts, vol. 3, p. 34.

47 Mensagens Escolhidas, livro 1, pp. 304, 305.

48 O Desejado de Todas as Nações, p. 786.

49 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 304; O Desejado de Todas as Nações, p. 786.

50 O Desejado de Todas as Nações, p. 786.

51 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 305.

52 Primeiros Escritos, p. 184.

53 Ibid.; O Desejado de Todas as Nações, p. 786.

54 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 305.

55 Mensagens Escolhidas, livro 1, pp. 306, 307.

56 Daniel 12:1, 2; Mateus 26:64; Apocalipse 1:7; 14:13.

57 Primeiros Escritos, p. 285; O Grande Conflito, p. 637.

58 LeRoy Edwin Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1954), vol. 4, pp. 1021-1048.

59 “Sabbath Conferences,” Seventh-day Adventist Encyclopedia, p. 1255.

60 Citado em Spiritual Gifts, vol. 2, p. 93.

61 Vida e Ensinos, p. 119.

62 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 206.

63 Vida e Ensinos, p. 119.

64 Comprehensive Index to the Writings of Ellen G. White (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1963), vol. 3, p. 3214.

65 Mensagens Escolhidas, livro 1, pp. 206, 207.

66 Vida e Ensinos, p. 119.

67 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 207.

68 Ibid. Grifos acrescentados.

69 Ibid.

70 Vida e Ensinos, p. 119.

71 Froom, pp. 1046, 1047.

72 Para uma análise mais detalhada passo a passo da formulação das doutrinas adventistas, veja Froom, pp. 1021-1048; e Arthur L.White, Ellen G. White: Mensageira da Igreja Remanescente, pp. 98-109.

73 Mensagens Escolhidas, livro 3, p. 46.

74 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 27. Grifos acrescentados. O uso de “meramente” deve alertar o leitor para o fato de que Ellen White não estava reivindicando que nunca tirava idéias ou materiais dos escritos de outros,mas, sim, que o que ela escrevia estava sempre em harmonia com as mensagens que Deus lhe dava em visão.

75 Testemunhos para a Igreja, vol. 5, pp. 667, 668.

76 Ibid., p. 677.

77 Ibid., p. 678.

78 Cristo em Seu Santuário, págs. 13, 14

79 Testemunhos para a Igreja, vol. 5, p. 83.

80 Ibid., p. 671.

81 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 27.

82 Testemunhos para a igreja, vol. 5, pp. 687, 688.

83 Mensagens Escolhidas, livro 3, p. 32.

84 Ibid., p. 52.

85 Ibid., p. 38.

86 Ibid., p. 32.

87 Carta 50, 1906; citada em Graybill, Ministry, p. 9.

88 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 161.

89 Ibid., pp. 161, 162.

90 Testemunhos para a Igreja, vol. 5, p. 691.

91 Ibid., p. 79.

92 Ibid., p. 675.

93 Ibid., pp. 675, 676.

94 Ibid., p. 674.

95 Ibid., p. 672.

96 Ibid., p. 691.

97 Ibid., p. 66.

98 Ibid., p. 674.

99 Ibid., p. 664.

100 Ibid., p. 678.

101 Ibid., p. 680.

102 Ibid., p. 668.

103 Ibid., p. 66.

104 Mensagens Escolhidas, livro 3, p. 84.

105 Conselhos sobre a Escola Sabatina, p. 84.

106 Profetas e Reis, p. 626.

107 Arthur L.White, “The Position of ‘The Bible, and The Bible Only’ and the Relationship of This to the Writings of Ellen G.White” (“A Posição de ‘A Bíblia, e a Bíblia somente’e a Relação Disto para com os Escritos de Ellen G.White”), documento não publicado, Ellen G.White Estate,

General Conference of Seventh-day Adventists, Washington, D.C., janeiro de 1971, 37 páginas.

108 Ibid., pp. 19, 20. O material do apêndice desta monografia é especialmente útil, consistindo em parte de reimpressões de artigos em periódicos escritos por J. N. Andrews, Urias Smith, e Ellen G.White.

109 Review and Herald, 13 de janeiro de 1863; citado em Robert W. Olson, 101 Respostas a Perguntas do Dr. Ford, p. 49. O editorial completo aparece como Apêndice D na monografia de Arthur White.

110 Review and Herald, 9 de junho de 1874; citado na monografia de White, p. 12.

111 Questions on Doctrine, p. 89.

112 Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 201. Grifos acrescentados.