“… A reforma não terminou…”

     

 

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Prof. Dr. Haller Elinar Stach Schunemann, um dos palestrantes da semana.

São notáveis os efeitos que Martin Lutero, mártir da reforma protestante, causou na cosmovisão cristã acerca da interpretação da Bíblia. Porém, após 500 anos, será que os ideais do movimento reformista ainda são levados em consideração? A reforma teria sido acabada? Ainda hoje é possível ver suas consequências? E, principalmente: é possível visar alguma perspectiva para o pensamento da reforma em tempos atuais? São questionamentos como esses que estão sendo discutidos na Semana Interdisciplinar da Reforma, que está sendo realizada durante o período de 19 a 25 de agosto, no UNASP campus Engenheiro Coelho. 

Tendo participação dos alunos e professores dos cursos de História, Teologia, Letras, Tradutor e Intérprete, Pedagogia, Rádio e TV, Direito e Mestrado Profissional em Educação, o evento tem atingido direta ou indiretamente todos os alunos da instituição. Conduzido por diversos palestrantes de grande nome no mundo acadêmico e na área da reforma, com destaque dos doutores Haller Elinar Stach Schunemann (Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e pós-doutor em Religião e Periferia) e Wilhelm Wachholz (Doutor em Teologia pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdades EST), o encontro trará à tona a reforma protestante em seus diversos aspectos. 

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O auditório da faculdade no UNASP EC ficou cheio todos os dias. Ao fundo da foto, a aluna Victória Paulino de Souza faz um recital de piano como abertura em uma das noites do evento.

O evento é aberto para o público, acontecendo em sua maioria no auditório do prédio de graduação do UNASP. As palestras discorrerão sobre assuntos como a influência da reforma na educação, na eclesiologia, na tradução e por fim, na sexta feira (25) será realizado um culto na Igreja do UNASP com ênfase nos hinos do hinário acerca dos temas discutidos. 

Texto por Danillo Rios e Kalline Meira

Fábio-Augusto-Darius
Prof. Dr. Fabio Augusto Darius, professor de graduação no UNASP EC, foi um dos idealizadores do evento.

 

 

 

 

 

Fábio Augusto Darius é professor na Faculdade UNASP – EC, no curso de Mestrado em Educação, na pós-graduação em Teologia, graduação em Teologia e no curso de Licenciatura em História. Ele está à frente da comissão organizadora da Semana Interdisciplinar da Reforma, que está sendo realizada nesse campus, com a participação de vários cursos.

Em entrevista, o professor Fábio deu sua opinião pessoal e a grande admiração pela Reforma Protestante:

– O que foi a reforma protestante? De que maneira o senhor enxerga Martinho Lutero?

– Em 1517, Martinho Lutero, um monge agostiniano, professor na recém fundada universidade Wittenberg, passou a estudar questões pregadas pela igreja e percebeu que não eram as mesmas verdades bíblicas. Como revolucionário inquieto, compartilhou seus estudos através das 95 teses expostas na porta da igreja de Wittenberg, causando grande reforma na maneira de ver a salvação e na sociedade até hoje. Por ser uma heresia para época, teve que se retratar, mas não o fez, foi excomungado, queimou sua excomunhão e se afastou da sociedade por estar convicto de sua visão bíblica a respeito da salvação. Manteve-se firme, quase morreu, traduziu a Bíblia (novo testamento) em poucos meses, depois em 10 anos o antigo testamento e criou a cultura moderna alemã, estabelecendo as bases de sua educação. Podemos dizer que realmente transformou o tempo dele. Vejo Lutero como uma pessoa a princípio atribulada, por ter muitas dúvidas acerca de sua relação com Deus, de sua posição no mundo e de sua salvação, por isso buscou estudar e pouco a pouco descobriu as verdades bíblicas. O vejo como herói para sua época que disposto a perder sua vida, não baixou a cabeça. Os textos escritos por ele sobre educação e vida cotidiana, deveriam ser relidos pois ainda hoje são atuais.

 

– Por que o senhor se interessa pelo assunto que envolve a reforma protestante?

– São vários os interesses: do ponto de vista histórico, são 500 anos esse ano, e não poderíamos deixar passar em branco, principalmente por ver a ligação do assunto com a religião na modernidade. Tenho pesquisado a respeito de o que aconteceu em 1517 e os impactos hoje em dia. Do ponto de vista teológico o que Lutero fez foi algo perceptível, ele criou as condições para o nascimento de outra forma de pensar, bem distante do pensamento católico medieval, por isso que até hoje, enquanto protestantes, nos identificamos. Obviamente não com tudo escrito, mas no geral, concordamos com o ponto de vista protestante contra os exageros da Igreja Medieval. Lutero recebeu uma luz e fez com que ela florescesse. Pessoalmente acho surpreendente o fato de 500 anos depois da reforma, para muitas pessoas a mensagem ainda ser nova. A 500 anos Lutero voltou a pregar a justificação pela fé (Habacuque 2:4; Romanos 1), séculos depois a igreja Adventista, através do espírito de profecia (Caminho a Cristo; O Desejado de Todas as Nações) e das mensagens cristocêntricas, receberam iluminação com relação ao assunto, mas Cristo ainda não retornou, e para muitos essa ideia ainda não faz sentido. Isso é surpreendente para mim.

 

– De que forma a reforma protestante influenciou e influencia no adventismo e na educação Adventista?

– A princípio, Ellen G. White era metodista e praticamente todos os pioneiros adventistas, vieram de um ramo protestante, todos foram diretamente influenciados pela reforma e esse misto de protestantes de distintas denominações, foi o que denominacionalmente nos criou do ponto de vista histórico. Obviamente do ponto de vista espiritual, foi algo muito maior, visto que Deus levantou um povo em um momento específico para dar uma mensagem específica e levar ao mundo uma nova forma de ver, que levasse a humanidade aos estudos bíblicos. Podemos afirmar então que a igreja Adventista surgiu no contesto protestante. Ellen G. White no livro O Grande Conflito exalta os feitos de Lutero e dos reformadores, como personagens que abriram caminho para nós. Com relação à educação, temos bases indiscutivelmente protestantes e sem dúvida, nossa escola tem sido uma luz para todo o mundo que se identifica com a proposta reformadora contida nos livros sobre educação que nos baseamos.

 

– Qual a sua posição com relação às idas do Papa à Suécia, com intuito de reconciliação entre a igreja católica e o protestantismo?

– Vejo os acontecimentos de forma positiva. O ecumenismo hoje é uma realidade, tenho a impressão de quem ninguém duvida do cumprimento das profecias, e quem lê os textos de Ellen G. White e está a par da interpretação bíblica, sabe que esse é um elemento constitutivo do período final da história deste mundo. Penso que a igreja Adventista não deve se envergonhar de sua doutrina e visão do mundo, pelo contrário, deveria levar a mensagem com mais profundidade, realmente protestando nossa causa que é séria e tem princípios totalmente bíblicos. Ao estudarmos a história, veremos que em todos os momentos em que o ecumenismo foi incitado, houveram minorias reprimidas e que sofreram perseguição, isso é natural, então devemos prestar atenção aos próximos acontecimentos mas tendo ideia de o que vem pela frente com base nas profecias. O adventista pode assistir aos acontecimentos com muita alegria sabendo que está próxima a vinda de Cristo, não tendo nada a temer quanto ao futuro e percebendo a sua própria importância na pregação dessa mensagem, de forma que não nos acostumemos com o mundo e sejamos remanescentes de fato.

 

– Que ponto pensa ser relevante com relação a história da reforma, mas que é pouco valorizado pelos estudiosos?

– Penso que seja pouco comentado o fato de que não foi apenas uma reforma, foram muitas as reformas sucessivas desencadeadas pela reforma de Lutero, percebemos também que antes dele, já haviam movimentos reformistas, até mesmo mártires. Outro ponto é a violência existente em grupos contra reformistas e também de alguns grupos oriundos da própria reforma, as guerras religiosas naquele período foram bem comuns.

– Se a reforma não tivesse acontecido, o que estaria diferente no mundo hoje?

– Eu creio que com ou sem reforma, Deus levantaria o povo remanescente como sempre levantou, talvez em outro momento, sob outro aspecto, em outro lugar, é só percebermos que Deus não levantou o último povo remanescente em um país sul americano influenciado pelo catolicismo, então certamente seria diferente. Do meu ponto de vista o renascimento e a modernidade teriam sido diferentes, não teriam existido como existiram. Inclusive, o capitalismo se dá a partir do protestantismo, então sem a reforma não haveria modernidade, dessa forma a idade média se estenderia por mais tempo e provavelmente nós não teríamos chegado ao nosso nível tecnológico. Não sei se teríamos a liberdade de expressão que possuímos hoje, a igreja católica certamente manteria seu poder.

 

– Citando a 21º Tese: “…Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do Papa”, pergunto: qual seria o efeito dessa afirmação para aquela sociedade?

– Durante a idade média, quase ninguém sabia ler e escrever, o papa era autoridade suprema, ele mesmo, segundo a igreja medieval, tinha o poder, de perdoar os pecados. Então se eu fosse um europeu ignorante, analfabeto, que vivesse no interior e alguém me dissesse que por algumas moedas, poderia ser salvo, provavelmente ficaria muito feliz! Certamente teria dificuldade para comprar uma indulgencia que não era nada barata, mas basicamente resolveria meu problema de maneira simples, mas Lutero à luz da bíblia nos livrou dessa ignorância e quanto mais sabemos, mais responsabilidades possuímos. A partir do momento em que reconhecemos que a salvação se dá pela graça e misericórdia de Deus, tanto Papa quanto comprador de indulgencia são colocados no mesmo plano, e justamente numa sociedade como a medieval, colocar todos no mesmo plano é desafiador, inclusive por ser um grande golpe para igreja, que perderia uma de suas maiores fontes de lucro.

 

– Por que é tão importante que essa data seja lembrada?

– Para que não esqueçamos que uma vez no mundo, pessoas deram a vida por uma causa específica. Hoje em dia, as pessoas só vivem para aquilo que ganham e se contentam, se acomodam, sem pensar no que podem fazer pelo próximo, e Lutero nos lembra de viver uma causa independente do sofrimento e das consequências, assim como Ellen G. White, que também sofreu muito, mas permaneceu firma na verdade. Para mim a reforma não terminou, e agora depende daqueles que tem a luz da justificação pela fé para propagar a verdade sobre salvação.

 

Entrevista com Professor Fábio Darius – 27/06/2017

Entrevista por Giovanna Vaz