Sábado da Herança – Outubro de 1999
Jesus, os Profetas e Nós

 Alberto R. Timm
Diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White do Brasil,
Professor de Teologia Histórica do IAE – Campus 2.

“O Senhor, o Deus de seus pais, começando de madrugada, falou-lhes por intermédio dos Seus mensageiros, porque Se compadecera do Seu povo e da Sua própria Morada. Eles, porém, zombavam dos mensageiros, desprezavam as palavras de Deus e mofavam dos Seus profetas, até que subiu a ira do Senhor contra o Seu povo, e não houve remédio algum.” (2 Crôn. 36:15, 16)

Algumas pessoas pensam que um profeta é alguém cuja mensagem, possuindo credenciais divinas, pode ser distorcida e mesmo rejeitada pelos incrédulos, mas certamente jamais pelo próprio povo de Deus. No entanto, a realidade é que mesmo cristãos sinceros podem, inconscientemente, usar abordagens destorcidas, não apenas em relação com os profetas, mas também para com as mensagens proféticas.

Durante o ministério terrestre de Cristo, Ele Se defrontou com pelo menos cinco importantes abordagens desequilibradas em relação com o dom profético. Hoje consideraremos cada abordagem mal-orientada, bem como a maneira pela qual Cristo procurou corrigi-la. O que descobrimos deveria nos ajudar a evitar a repetição dos erros das gerações passadas.

1. Cristo Reprovou a Tendência Humana de Elogiar os Profetas Antigos e de Rejeitar os Profetas Contemporâneos.

Estudando as Escrituras, encontramos várias ocasiões nas quais o povo de Deus se recusou a aceitar determinado profeta contemporâneo. Ao mesmo tempo que elogiava um profeta antigo por haver censurado os pecados de gerações passadas, o povo de Deus se demonstrava relutante em aceitar as censuras proféticas que diziam respeito especificamente ao seu próprio comportamento inaceitável.

Cristo Se referiu a esse problema ao declarar em Mateus 23:29, 30, 34: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque edificais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas! … Por isso, eis que Eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade.”

Existem pessoas hoje que ecoam essa mesma forma de pensamento. Elas minam a manifestação moderna do dom profético na vida e obra de Ellen G. White, alegando que por essa atitude elas se demonstram “mais fiéis” ao cânon estabelecido das Escrituras. Porém, a fidelidade à Bíblia não exige a rejeição dos profetas extracanônicos, mas apenas daqueles que se demonstram falsos. “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 João 4:1).

Em Lucas 10:16 Cristo declarou: “Quem vos der ouvidos ouve-Me a Mim; e quem vos rejeitar a Mim Me rejeita; quem, porém, Me rejeita, rejeita Aquele que Me enviou.” Com isso em mente, é óbvio que se Ellen White foi uma profetisa verdadeira, como cremos que ela realmente foi, qualquer tentativa consciente de minar a confiança em suas mensagens proféticas é uma reprovação direta a Deus que a enviou para ser uma voz profética em nosso meio.

2. Cristo Reprovou a Tendência Humana de Enaltecer o Mensageiro Humano em Detrimento da Mensagem Divina.

Aqueles que professam aceitar os profetas contemporâneos correm o grande risco de substituir a necessária fidelidade para com a mensagem divina pela sua admiração pessoal para com o mensageiro humano. Em muitos casos, essa admiração pode acabar ofuscando, voluntária ou involuntariamente, o compromisso pessoal para com a mensagem profética.

Durante o Seu ministério terrestre, Cristo encontrou pessoas que alegavam ser filhos e filhas de Abraão sem estarem dispostas a seguir o seu exemplo (ver João 8:39), bem como pessoas que pretendiam ser seguidoras de Moisés sem viver em harmonia com os ensinos daquele grande líder (ver João 5:45-47). Cristo reprovou essa distorção de caráter exibicionista nas seguintes palavras: “Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus” (Mat. 7:21).

Estudos biográficos contemporâneos de Ellen White podem ser de grande valia para nos ajudar a melhor compreendermos os seus escritos, mas existe sempre o risco de nos tornarmos “cultuadores de Ellen White” se enfatizamos mais a sua pessoa do que as mensagens divinas que Deus comunicou através dela. Bem mais importante do que apenas sabermos se ela era alta ou baixa, gorda ou magra, é o conhecimento experiencial da mensagem salvadora revelada através dos seus escritos.

3. Cristo Reprovou a Tendência Humana de Enfatizar Aquilo que a Pessoa Aprecia da Mensagem Profética ao Mesmo Tempo que Ignora ou Rejeita Aquilo que Ela Não Aprecia.

Mesmo que a pessoa aceite tanto as mensagens proféticas antigas quanto as modernas, ainda permanece o grande risco de ela perder o equilíbrio temático geral, por enfatizar apenas os tópicos mais atrativos e empolgantes, ao mesmo tempo que desconhece aqueles que não são tão apreciados.

No tempo de Cristo, o exemplo mais difundido deste método distorcido de interpretação era a compreensão parcial das profecias messiânicas do Antigo Testamento. Sem dar atenção suficiente às profecias que falavam do sofrimento do Messias (Sal. 22; Isa. 52:13 a 53:12; Dan. 9:26; etc.), os contemporâneos de Cristo colocavam a sua esperança quase que exclusivamente nas profecias que O descreviam como um Rei vitorioso (Sal. 24; Isa. 9:1-7; etc.). Lamentavelmente, mesmo alguns dos mais íntimos discípulos de Cristo criam nessa expectativa messiânica tendenciosa (Mat. 16:21-23; Mar. 9:31, 32; Luc. 18:31-34; etc.).

Hoje, o mesmo desequilíbrio interpretativo pode ser visto em duas grandes tendências. Primeiro, existe a tentação de se enfatizar artificialmente uma doutrina em detrimento de outras de igual importância. Alguns advogam apenas a justificação pela fé; outros apenas a reforma de saúde; e outros ainda apenas os eventos finais. Importantes como essas três doutrinas possam ser, nenhuma delas pode ser considerada como a mensagem. Antes, elas são todas partes da completa e inseparável mensagem. Isto significa que devemos tomar os escritos inspirados como um todo (ver Mat. 4:4), permitindo que eles definam (e não nós) quais são os temas fundamentais, em contraste com os periféricos.

Em segundo lugar, o desequilíbrio no estudo dos escritos inspirados pode ser também reconhecido entre aqueles que permitem que os seus próprios sentimentos decidam entre o que é relevante hoje e o que é cultural. Normalmente, aquilo que a pessoa aprecia é aceito como pertinente e útil, enquanto que aquilo que ela não aprecia é considerado apenas como cultural e inútil. Sem dúvida, podemos ver nos escritos inspirados uma constante tensão entre os princípios universais e o relacionamento destes princípios dentro de um contexto cultural específico. Mas não podemos brincar com esses escritos como as crianças brincam em uma gangorra. Jamais deveríamos nos esquecer de que princípios universais são sempre aplicáveis mesmo naqueles casos em que os escritos inspirados estão falando para um contexto cultural específico.

Se levamos a sério o conselho de Cristo para vivermos “de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mat. 4:4), então podemos permitir que nossos próprios preconceitos e sentimentos pessoais sejam o árbitro final das Escrituras.

4. Cristo Reprovou a Tendência Humana de se Contentar com uma Leitura Superficial dos Escritos Inspirados.

Outra grande distorção na compreensão dos escritos inspirados é a probabilidade de não se avançar o suficiente no processo de investigação da verdade. Satisfeitos apenas com um conhecimento superficial, muitos são inclinados a pensar que já conhecem tudo o que pode ser conhecido, ou que não existe uma genuína razão para investigarem mais.

Cristo enfrentou a leitura superficial do Antigo Testamento, pelos escribas e fariseus, ao Ele advertir em Seu Sermão do Monte: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mat. 5:20). E o Senhor continuou o processo de expor o sentido mais profundo da Escritura, declarando repetidamente:”Ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, vos digo…” (ver vv. 21-48).

Superficialidade na compreensão do conteúdo dos escritos inspirados é um dos maiores pecados de nossa geração. Ellen White observou: “Vivemos numa época em que quase tudo é superficial.Pouca estabilidade e firmeza de caráter há, porque o preparo e a educação das crianças é superficial desde o berço. Seu caráter é edificado sobre areia movediça. A abnegação e o domínio próprio não lhes têm sido moldados no caráter” (Orientação da Criança, p. 184).Ocupados com as numerosas opções que absorvem o tempo, providas pela tecnologia e pela comunicação moderna, os cristãos contemporâneos são tentados, como nunca dantes, a se voltarem para uma forma de religião filosófica e antidoutrinal.

Ellen White nos adverte a não confiarmos em uma mera “religião intelectual” (Caminho a Cristo, p.35; ver também Evangelismo, p. 682). Mas, por outro lado, ela também declarou que “a ignorância não aumentará a humildade ou a espiritualidade de nenhum professo seguidor de Cristo”(Testimonies, vol. 3, p. 160). Portanto, somos encorajados “a atingir o próprio ápice da grandeza intelectual”, tornando-nos “gigantes na compreensão das doutrinas bíblicas e das lições práticas de Cristo” (Testimonies, vol. 4, pp. 413, 415).

5. Cristo Reprovou a Tendência Humana de Aceitar a Teoria da Verdade Revelada nos Escritos Inspirados Sem Viver em Harmonia com Ela.

Talvez a condição mais perigosa na qual as pessoas podem se colocar é a de professar crer nos escritos inspirados sem permitir que estes santifiquem a sua vida. Isto gera uma séria divisão filosófica entre a base teórica da religião e sua expressão prática na vida diária. Os que se encontram nessa condição normalmente se tornam mais críticos do comportamento dos outros do que do seu próprio, e, como conseqüência, não sentem qualquer necessidade real de uma transformação da sua própria vida.

No tempo de Cristo, muitos mestres da lei, bem como fariseus, se encontravam, em termos humanos, em uma situação de desesperança (ver Mat. 23). Descrevendo-os várias vezes como “hipócritas”, Cristo também os comparou a copos limpos por fora mas sujos por dentro (vv. 25,26), e a sepulcros “caiados” por fora mas “cheios de ossos de mortos e de toda imundícia” por dentro (v. 27).

A mensagem de Deus para a igreja de Laodicéia, do tempo do fim, revela um problema semelhante. Os laodiceanos são descritos no livro do Apocalipse como um povo inconscientemente iludido com a sua própria condição. Apocalipse 3:17 declara: “Pois dizes:Estou rico e abastado e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu.”

A única esperança para aqueles que nutrem tal abordagem confusa para com as mensagens proféticas é que eles fundamentem, com humildade de coração, a sua vida espiritual sobre as infalíveis palavras de Cristo (ver Mat. 7:24-27; João 5:39). Tais indivíduos devem permitir que as palavras de Cristo santifiquem a sua vida (ver João 17:17). Isto implica, de acordo com o apóstolo Paulo, que confessemos o poderoso Salvador revelado nas Escrituras e nEle creiamos (Rom.10:8-13).

Conclusão

Como filhos e filhas de Deus, devemos desenvolver uma abordagem consistente para com os escritos inspirados. Essa abordagem deve estar baseada em duas passagens da Escritura – Mateus 4:4: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”, e em Deuteronômio 4:2: “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor, vosso Deus, que eu vos mando.” Isto requer que obtenhamos a vitória, pela graça de Deus, sobre as tendência humanas (1) de elogiar os profetas antigos e de rejeitar os profetas contemporâneos; (2) de substituir a mensagem divina pelo mensageiro humano; (3) de enfatizar aquilo que a pessoa aprecia da mensagem profética ao mesmo tempo que ignora ou rejeita aquilo que ela não aprecia; (4) de se contentar com uma leitura superficial dos escritos inspirados; e (5) de aceitar a teoria da verdade revelada nos escritos inspirados sem viver em harmonia com ela.

Fidelidade incondicional aos escritos inspirados pode não ser a maneira mais fácil de se viver, mas é a única maneira pela qual podemos reclamar verdadeiramente a promessa de 2 Crônicas 20:20: “Crede no Senhor, vosso Deus, e estareis seguros; crede nos seus profetas e prosperareis.” Que o Senhor nos capacite a vivermos hoje, e todos os dias de nossa vida, em fidelidade para com Ele e para com a Sua Palavra.